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quarta-feira, agosto 27

Abba? Sim, por que não?


Se eu tivesse que elaborar uma teoria conspiratória, diria que houve um complô a partir da década de 1980 para eivar o ser humano da sua ingenuidade. E o resultado é um mundo menos ousado e muito mais previsível, com poucas possibilidades de reverter a situação.
O que me levou a pensar isso? Bem, há tempos cogito algumas teorias malucas, uma delas, inclusive, dá conta que o mundo acabou lá por 1994 e ninguém notou. Mas o fim da ingenuidade, e suas conseqüências para nós, é algo quase palpável. O último insight que tive e que me lembrou os males que surgem com o domínio do ceticismo e do pragmatismo sobre nós, teve lugar com a audição de uma coletânea do Abba. Sim, isso mesmo.

A banda sueca – e mais um monte de artistas dos anos 70 – representa a vitória do otimismo e da ingenuidade, além de uma nada sutil bofetada na face do chamado “sistema”, num nível próximo dos efeitos do movimento punk.
Exagero? Sim, oras, tudo referente ao Abba é exagerado, inclusive o talento por trás das canções e dos arranjos.

A reavaliação crítica dos suecos foi providencial a partir dos anos 90 e teve lugar com manifestações espontâneas de dois popstars. Bono Vox e o U2 resolveram incluir “Dancing Queen”, canção presente no quarto disco do Abba, Arrival (1976), no repertório da turnê que empreendiam em 1992. Gravações piratas de shows mostram a reverência do arranjo dos irlandeses, fidelíssimo ao original. E, quase na mesma época, Kurt Cobain aparecia numa foto com uma camiseta do Bjorn Again, grupo australiano que corria o mundo com o repertório dos suecos e que homenageava o mentor do Abba, Bjorn Ulvaeus em seu nome, além de procurar o trocadilho com a expressão “born again”. Ao ser perguntado sobre a camiseta, Kurt teria dito que admirava muito as canções do Abba. Estava aberto o caminho para a coletânea Gold, lançada em 1992, com todos os maiores sucessos da banda, para uma multidão de gente que desconhecia a existência deles, prontos para se esbaldar na versão grandiloqüente do pop sob a visão de Ulvaeus, do tecladista Benny Andersson e das cantoras Agnetha Faltskog e Anni-Frid Lyngstad (depois chamada de Frida).


A carreira do Abba não existiria se não fosse pela intervenção de Stig Anderson, produtor da primeira banda de Bjorn, os Hootenanny Singers e fundador do selo Polar Music. Anderson também conhecia os Hep Stars, conjunto que Benny liderava e pensou que os dois músicos renderiam muito mais se trabalhassem juntos. Bjorn, incentivado pelo empresário, trouxe sua esposa Agnetha para cantar na nova banda e Frida viria por intermédio de Benny, com quem começava a sair. O Abba, portanto, era formado por dois casais, tinha em seu nome um anagrama das iniciais dos integrantes (Anni-Frid, Bjorn, Benny, Agnetha) e uma visão empresarial ambiciosa (ingênua?) de Stig Anderson como guia das ações. Não podia dar errado.

Na Suécia dos anos 70 a música já era totalmente derivada do pop inglês mas existiam detalhes e situações próprias. Por exemplo, o Abba apareceu para o país a partir de duas participações no festival da Eurovision, uma emissora de televisão. “Ring Ring” obteve o terceiro lugar em 1973 e no ano seguinte, “Waterloo” tornou-se o primeiro single da banda a chegar ao topo da parada inglesa. O Abba era visualmente influenciado pelo glam rock, mas seu som não tinha qualquer relação com o estilo de Marc Bolan. O pop do Abba era uma meticulosa criação de Bjorn e Benny, influenciados diretamente por Phil Spector, Brian Wilson, Bee Gees e os Beatles. Os elementos sonoros que aparecem a partir do quarto disco, Arrival, são acima de qualquer suspeita e não fazem feio diante das comparações com as influências.

O efeito de “wall of sound” que eles conseguiram a partir deste trabalho coloca o Abba como um herdeiro nórdico do pop sessentista, acrescido de batidas disco e marcado por uma tendência ingênua e extravagante de misturar elementos visuais. As letras, ao contrário do que podem parecer, são multifacetadas e podem falar de one-night stands (Voulez Vous”), musas adolescentes (“Dancing Queen), paixões espanholas (“Fernando”, “Chiquitita”) ou refugiados russos em plena União Soviética (“Visitors”). O consenso geral aponta o sétimo disco do Abba, Super Trouper (1980), como o melhor de sua carreira. Era um tempo de mudança, da chegada da new wave e os suecos aproveitavam para se desvincular da disco music. A banda sempre foi incluída de maneira equivocada no balaio de gatos da disco, algo que nunca foi totalmente coerente. Em 1980 os suecos deram a sua versão do novo som, um amálgama que guardava pouca semelhança com o que grupos americanos e ingleses vinham fazendo, mas era totalmente Abba.

Os fraseados de teclado que Bjorn concebia se mantém atuais, a ponto de Madonna samplear “Gimme Gimme Gimme” e usá-la como base para seu sucesso de 2005, “Hung Up”. Além dela, “The Winner Takes It All”, canção melodramática – no bom sentido – sobre o divorcio de Bjorn e Agnetha dava o tom de tristeza total e “Our Last Summer” acenava para amores no Summer Of Love (1968), definida por Bjorn como "uma memória de melancolia de um último verão de inocência".


Em 1983, dois anos após o lançamento do oitavo e último disco The Visitors, o Abba encerraria suas atividades para nunca mais voltar, nem por um bilhão de dólares, valor oficialmente oferecido a eles por disco, turnê e todo o aparato publicitário em 2000.
O que dá pra pensar disso? O Abba e outras bandas setentistas como Electric Light Orchestra, Carpenters, por exemplo, não tinham como preocupação nenhuma forma de posição política ou comportamental. A identificação dessas formações com os ouvintes descompromissados da música pop formou gerações de fãs em países remotos como Argentina, Austrália e quase toda a Europa, até mesmo os EUA.

A proposta de uma banda sueca que emulava sons sessentistas e se valia das habilidades de músicos locais para atingir astronômicos 360 milhões de discos vendidos não era apenas misturar talento, roupas bregas e diversão. Eram dois casais numa aventura pop, ganhando o mundo, algo impensável para suecos em meados da década de 1970. Cantaram em inglês, sueco, espanhol, alemão e marcaram seu nome para sempre na história. E nunca deixaram de lado a ingenuidade, não aquela que se aproxima da tolice, mas a que possibilita pessoas com figurinos de oncinha e roupas espaciais de gosto duvidoso serem tratadas como heróis.


PS: Esse texto não é produto da ação da trilha sonora do filme Mamma Mia, inspirado no musical da Broadway, que traz Meryl Streep, Colin Firth e outros, cantando 18 sucessos da carreira do Abba. Mesmo que as interpretações sejam sensacionais, servem de guia para a obra da banda. Ouça sem preconceitos.