sábado, outubro 4

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segunda-feira, setembro 15

Rick Wright em San Tropez

Eu sempre gostei do Pink Floyd e meu amor se estabeleceu definitivamente quando ouvi seriamente "Great Gig In The Sky", lá pela década de 1980. A música, faixa do multiplatinado Dark Side Of The Moon (1973), me iniciou no Floyd. Vieram os discos setentistas, The Wall, a parte obscura e psicodélica da banda, no final dos anos 60. E veio Rick Wright.

O sujeito era aquele tipo de músico que toda boa banda deve ter, aquele cara sério, quieto, talentoso e conciliador. Mesmo que David Gilmour (guitarra) e Roger Waters (baixo, voz) sempre sejam reconhecidos como os cérebros do Pink Floyd e Nick Mason (bateria) sempre pareça carregado nos ombros dos outros em termos de talento, Wright tinha um charme tímido e um talento assombroso. Quer provas?

Os teclados de Rick deram forma a músicas marcantes do Floyd, a que mais me salta à memória é "Shine On You Crazy Diamond", do álbum Wish You Were Here (1975), seguida de perto pelo clima de "Summer 68'", do "disco da vaca", Atom Heart Mother (1970). A maior lembrança, porém, sempre será de Rick tocando piano acústico em uma pepita escondida do disco Meddle (1972), "San Tropez".

Numa primeira audição, "San Tropez" não parece música do Floyd, tamanho o clima de "estamos na praia e não atenderemos o telefone hoje". A letra é uma tiração de sarro com a fama fácil e o dinheiro que vem e vai. Tudo bem diferente da neura que acometeria Roger Waters a partir de Animals (1977) e se estabeleceria em The Wall (1979), disco no qual ele tomou o controle criativo da banda e chegou a expulsar Rick, aceitando integrá-lo para a turnê que promoveria o disco. Nesse meio tempo, Richard gravou Wet Dream (1978), primeiro trabalho solo, de uma carreira que ainda teria Identity (1984, gravado com Dave Harris, sob o nome Zee) e Broken China (1996).

Rick morreu hoje, aos 65 anos, vítima do câncer. Descanse em paz e beba champanhe como um grande magnata em San Tropez, meu velho.

segunda-feira, setembro 8

Roger Hodgson Sorri

Eu estava na Praça da Apoteose em 1988 vendo o show do Supertramp. Era o último da noite, após exaustivas e insossas apresentações de Lulu Santos e Marina Lima. Sabíamos todos que a banda inglesa viria sem a presença de Roger Hodgson, o "vocalista da voz fina", o sujeito que alcançava agudos extremos e não parecia nem se cansar.

O Supetramp vinha na turnê de lançamento do disco Free As A Bird, o segundo sem a presença de Hodgson (Brother Where You Bound, de 1985 fora o primeiro trabalho sem Roger) mas minha curiosidade não era pelos discos mais recentes. Eu queria ouvir "The Logical Song", "Hide In Your Shell", "School", dentre tantos sucessos da banda, mas sabia que Mark Hart, guitarrista e vocalista dublê de Roger não daria conta do recado - o que realmente aconteceu.

O tempo passou, minha admiração pelo Supertramp só fez aumentar e meus questionamentos sobre a crítica musical ganharam vulto. A banda sempre fora alvo fácil de detonações infinitas, principalmente porque seu som tinha nascedouro no rock progressivo inglês dos anos 70, agravado pelo fato de Roger e Rick Davies (o vocalista da voz grossa) serem compositores pop de mão cheia, o que dotava as composições do Supetramp de um notável acento radiofônico, sem abrir mão do instrumental virtuoso. Mais que um guilty pleasure, ouvir a banda sempre foi um dos caminhos mais fáceis para aquele momentum da vida em que tudo parece dar certo e que é lembrado como tempo perfeito, sem problemas.


Com essa impressão adentrei o Vivo Rio na sexta-feira, dia 5 de setembro para ver o segundo show de Roger Hodgson na Cidade Maravilhosa, dez anos depois de sua primeira vinda. O clima era de expectativa e certa apreensão pois o homem vinha divulgando seu DVD Take The Long Way Home - Live In Montreal, no qual recria várias canções do Supertramp em versões acústicas, todas de bom gosto inquestionável, mas insignificantes diante da perspectiva de ouvir os arranjos originais com banda.

Minha esposa, mais fã dos ingleses do que eu, estava previamente aborrecida com a idéia de ver Roger desperdiçando sua voz numa balela unplugged, impressão que sumiu ante a primeira visão da banda no palco, montada especialmente para as apresentações no Brasil. Lá estavam o baterista Bryan Head, o baixista Jesse Siebenberg e o versátil Aaron McDonald, responsável por harmônica, saxofone e teclados. E Roger, todo de branco, olhar doce, expressão tranquila, tentando falar português com anotações do tamanho de uma folha de papel A4. Parecia uma espécie de monge, de ser tranquilo e razoavelmente elevado. Ele que ficara inativo por quase toda a década de 1990, após sofrer fraturas sérias nos dois pulsos em 1988, época de lançamento de seu segundo disco solo, Hai Hai.

A primeira canção já fez os corações tremerem: "Take The Long Way Home" apareceu gloriosa, do alto de seus 29 anos de idade, com atmosfera perfeita e execução idem, no esquema "estamos reproduzindo fielmente os arranjos do Supertramp e não estamos nem aí para mais nada". E nesse esquema vieram "Give A Little Bit", "Hide In Your Shell" e duas canções solo do homem, as supertrâmpicas "In Jeopardy" e "Lovers In The Wind". O povo logo viu que estava diante de algo grandioso e provavelmente inesquecível.

Supertramp e Roger Hodgson se separaram em 1983, após o lançamento do fabuloso disco Famous Last Words. Nesse ano a banda deu continuidade à fileira de hits que o álbum anterior, Breakfast In America (1979) iniciou, principalmente com a execução maciça de "It's Raining Again" e "My Kind Of Lady". Desentendimentos criativos e pessoais entre Rick Davies e Roger decretaram a saída deste e o início de uma respeitavel carreira solo. In The Eye Of The Storm (1984) foi lançado imediatamente após a saída do Supertramp e causou mal estar entre as duas partes. O disco era totalmente voltado para a sonoridade da banda e, se fosse misturado com Brother Where You Bound (disco do Supertramp de 1985), teríamos um excelente álbum, na melhor tradição dos grandes trabalhos deles. Todo esse clima adverso, a substituição vocal por Mark Hart e a ação do tempo acabaram afastando Roger das canções que ele tocou no Vivo Rio. É a turnê de reconciliação do homem com ele mesmo, com suas lembranças e seus coelhos na cartola. É uma turnê extremamente pessoal, daquelas que levam multidões a cantar.

No Rio não foi diferente. Após as cinco primeiras músicas, os 2 mil felizardos presentes ao Vivo Rio caminharam pelos caminhos de ida e volta para casa, propostos pelo nome da canção. Gente de classe média, na faixa dos 30/40 anos, alguns com filhos, transmitindo lembranças e legados, como deve ser. Roger e sua banda revisitaram 15 canções de todas as fases do Supetramp, indo dos sucessos "Dreamer", "The Logical Song", "Breakfast In America", passando por surpresas como "Easy Does It", "Child Of Vision", "Don't Leave Me Now" e chegando ao momento mágico do show, quando Roger sentou-se ao piano de cauda que dominava o centro do palco e disse: - A próxima canção que eu vou tocar foi escrita há bastante tempo e pensei numa orquestra quando bolava o arranjo. É a primeira vez que toco essa música desde que saí do Supertramp.


Trememos, eu e Maria, minha esposa. Ela na Ilha do Governador, eu em Copacabana, ao longo dos tempos, cantamos, dublamos e tocamos todos os instrumentos do Supertramp de forma imaginária e "Fools Overture" sempre foi um momento máximo. A suite progressiva de 1977, com instrumental futurista mesclado com piano e saxofone sempre foi um ponto alto. Ao primeiro acorde da canção, imediatamente vi uma das minhas certezas - a de que nunca veria essa música ao vivo - cair por terra. A execução perfeita, a sustentação de McDonald à parafernália de efeitos especiais, entre eles o famoso dircurso do Primeiro Ministro inglês Winston Churchill, no qual ele diz que os ingleses lutarão nos campos e cidades, tudo foi perfeito e o próprio Roger Hodgson se espantou com o efeito causado na multidão.

Após o intervalo protocolar, a banda volta para revisitar "School", outro highlight da infância, na qual eu me transformava num virtuoso solista ao piano e a comemoração final com "It's Raining Again", uma das músicas que mais clamam por uma dança à dois nesse mundo.

Dessa vez, em 2008, dancei "It's Raining Again" com minha esposa, algo que sempre quis e só descobri na hora que Roger sorria diante da multidão que dançava à sua frente. Talvez em algum momento da década de 1980, eu sempre soubesse que a dançaria da maneira correta e com a pessoa certa. Dito e feito. E, ainda agora, espero, Roger Hodgson sorri.


Set List
1) Take the Long Way Home
2) Give a Little Bit
3) In Jeopardy
4) Hide in Your Shell
5) Lovers in The Wind
6) A Soap Box Opera
7) You Make Me Love You
8) Easy Does It
9) Sister Moonshine
10) Breakfast in America
11) Along Came Mary
12) The Logical Song
13) The More I Look
14) Child of Vision
15) Lord Is It Mine
16) Don't Leave Me Now
17) Dreamer
18) Fool's Overture
BIS
19) School
20) It's Raining Again


Conversando Com Ed Motta


Ed Motta é uma excelente praça. A imagem de artista complicado se desfaz no primeiro momento e a entrevista rola solta. O assunto é seu nono disco de carreira, Chapter 9, e suas influências. O papo atravessa os limites musicais e conversamos sobre lanchonetes do passado de Copacabana (Ed nasceu na Tijuca, um bairro muito parecido com Copa), lojas de brinquedos e as perspectivas do mundo sob o ponto de vista musical. Conhecedor profundo de música - principalmente de rock - Ed fala de suas experiências e de como fez um disco de blues rock, algo que ninguém poderia supor.
Carlos Eduardo Lima

Chapter 9 é o seu disco mais próximo do idioma rock?
Sim,com certeza. Na verdade eu já tinha dado uma visitada nesse terreno quando gravei "A Loja Do Sub-Solo", pro Manual Prático Para Festas, Bailes e Afins (disco de 1997). Essa vinheta é uma homenagem à Sub-Som, uma loja que existia na Galeria Vitrine da Tijuca, na qual eu conheci e comprei muita coisa. Eu já pensava nessa coisa de tocar rock com um approach negro, como aquelas bandas inglesas da virada da década de 60/70, Free, Spencer Davis Group, essa galera. Mas não tem só o rock, o disco tem influência de um monte de coisas, desde a maneira de conceber a estrutura harmônica das canções até trilhas de cinema.

Como foi a transição do clima Rio Antigo do seu disco anterior, Aystelum (2005), para o soul blues do novo trabalho?
Foi bastante casual. Eu entrei no estúdio pra gravar a demo do disco e dessa vez eu consegui fazer isso no Estúdio Trama. Quando eu vi a quantidade de microfones pensei que poderia microfonar todos os instrumentos e comecei a brincar com isso. O João Marcelo Bôscoli disse que poderia sair alguma coisa dali e eu só estava pensando na demo pro novo disco, como eu faço sempre! As músicas foram saindo espontâneamente, nesse cilma de blues rock. Eu precisei interromper as gravações por seis meses para ensaiar e compor as canções do musical 7. Acho que esse clima meio blues tem a ver com o fato de ter ficado um tempo em São Paulo, longe de casa. Eu preferia estar no estúdio do que no quarto do hotel, só pensei nisso.

Cantar todas as canções em inglês foi opção ou necessidade?
Olha, as letras em inglês têm a ver com uma opção estética mesmo. Pra mim o inglês é uma lingua tão natural quanto o português, aliás, pra quase todas as pessoas que têm a minha idade (Ed tem 37 anos) e gosta de rock/soul/funk. Achei que o inglês casava bem com a sonoridade que foi saindo daquela demotape. Encomendei as letras para o Chico (Botelho, com quem Ed compôs para o musical 7) e Rob Gallagher (que é inglês). Eles receberam as bases de duas em duas e foram colocando as letras. No fim das contas, o Chico só colocou uma letra.

Muita gente cobra de você uma fidelidade permanente a uma veia pop que você não parece ter vontade de usar sempre. Isso te incomoda?
Mais ou menos. O que me incomoda é essa coisa de atribuírem à arte uma função específica. As pessoas não têm uma percepção maior da arte, apenas pensam que ela é desse ou daquele jeito. No meu caso, sou influenciado por um monte de coisas extra-musicais, principalmente por quadrinhos e cinema, isso se reflete na minha música. Eu sinto uma vontade natural nada forçada de explorar outros caminhos, idiomas e esbarro nessa percepção estreita que, supostamente, me obrigaria a seguir esse ou aquele formato. Eu gosto de Stephen Soundheim, Barry Manilow, Christopher Cross, Stephen Bishop (o compositor da trilha sonora de Tootsie), mas não me sinto inspirado por eles o tempo todo. Nem pelos artistas do soul ou do funk somente. Aliás, isso mostra que o mundo vem esbarrando nessa coisa de fazer mal o seu papel. A gente vê um monte de gente informando errado, desconhecendo coisas básicas. O mundo vem perdendo a precisão nas coisas, mas isso é outro assunto.
O Chapter 9, por exemplo, me soa muito pop. Quando começaram a falar sobre ele já disseram que ele tinha esse clima "soturno" e "triste", o que eu não vejo. Pra mim as influências daquelas bandas inglesas de hard rock do início dos anos 70 são muito claras.

A Internet te ajudou de alguma forma na concepção do Chapter 9? O que você acha do disco estar disponível pra download gratuito no site da Trama?
A internet pra mim é um oásis. Muito mais que um parque de diversões. Eu sempre colecionei coisas, discos, quadrinhos, fitas VHS, catálogos, enfim, um monte de coisas. Com a web tudo ficou mais fácil para se adquirir, uma vez que os livros importados não são taxados pelo governo. Mas o e-mail ajudou apenas para me comunicar com o Rob (Gallagher, letrista inglês da maioria das faixas de Chapter 9). O disco está disponível pra baixar no site da Trama. Eu acho legal, democrático, espero mesmo - sem clichê - que mais gente tenha acesso à minha música. Os arquivos que estão disponíveis trazem o encarte, a capa, além das músicas. Sei que o cara que coleciona mídia física vai continuar comprando disco, portanto, não me incomodo com isso. Mesmo porque a Trama proporciona o download legal, patrocinado e remunerado, ou seja, sai a custo zero para o consumidor e remunera o artista. Não tenho do que reclamar, mesmo porque eu garimpo um monte de coisas e a internet viabiliza isso pra mim. Enquanto estou ouvindo estou lendo e entendendo o que está tocando, algo que todo mundo deveria saber.


Mesmo com uso de guitarras e acento blues, o soul setentista e as levadas de piano Rhodes a la Steely Dan ainda são sua maior influência para Chapter 9?
Na verdade vem tudo junto, isso é o shuffle que aparece naturalmente no blues de Chicago. O próprio Steely Dan bebeu dessa fonte, das músicas em compasso 6/8, cheias de suingue. Acho que tem a ver com o fato de tocar todos os instrumentos no disco, isso veio naturalmente na hora de compor. Muita gente fez canções nesse compasso, com essa levada e quase nem dá pra perceber. "Fool In The Rain", do Led Zeppelin é assim. O Lulu Santos tem "Sincero" (de 1985, do disco Normal), o Wham tem "Wake Me Up Before You Go-Go" (de Make It Big, 1984), ou seja, no fim das contas, é tudo obra do shuffle de Chicago. (Ed dá os exemplos das músicas cantarolando a letra e melodia). Acho que as músicas em 6/8 fogem do esquema 4/4 e isso pode confundir um pouco e talvez atrapalhar aquelas pessoas que ficam na ditadura do econômico, simples, quase banal. Eu acho que a simplicidade pode existir ao lado das melodioas mais complexas. O Who, por exemplo, todo mundo diz que é visceral, mas o Tommy (disco de 1969, contendo a ópera-rock homônima) é totalmente pensado e planejado. Acho possível alguém ouvir o Nevermind The Bollocks (disco de estréia dos Sex Pistols) com "Anarchy In The UK" e depois apreciar o Close To The Edge (dos progressivos Yes). Eu não sou contra o barroco, acho que tem espaço pra tudo.

Como está seu relacionamento com a Trama nesses tempos tão tortuosos da indústria musical?
O relacionamento é bacana. Eles apostaram nos meus discos, sempre me deram tudo que eu precisei. Já são quatro discos (ed está no cast da gravadora desde 2001, já tendo lançado Poptical, Ao Vivo, Aystelum e agora Chapter 9) e não tenho do que reclamar. Pelo contrário.

O que você acha da música feita no Brasil hoje em dia? Há algo que te emociona?
Olha, sinceramente, nada. Aliás, tem sim. Você conhece Letieres Leite e Orkestra Rumpilezz? (Eu digo que não e Ed explica)
É a big band de um saxofonista baiano, que faz um som mesclando timbres de candomblé com sopros, dentro de uma abordagem totalmente jazz. Pra mim, o sujeito é o novo Moacir Santos. Música que me emociona mesmo. Além disso, nada. Continuo comprando discos dos caras que admiro, por exemplo, o Who (cujo disco novo - Endless Wire - achei chato) e o Donald Fagen (tecladista do duo americano Steely Dan). Ouço os caras de sempre, garimpo coisas aqui e ali e sempre volto pros caras que gosto de ouvir. Muito jazz, aliás, o jazz me fez perceber o valor da música popular brasileira.

Você tem uma carreira solidificada no exterior. Os fãs de lá são muito diferentes? O que eles esperam de um novo disco do Ed Motta?
Pra eles o som do Dwitza (disco instrumental de 2000 no qual Ed envereda por uma sonoridade jazzística) é o meu som. Se eu chego pra tocar "Manuel" para o público lá fora, provavelmente não vão entender nada. É o oposto daqui, exatamente. Eles também são "primeira impressão", colocam a sonoridade num compartimento estanque. Eles esperam de mim um samba-jazz rapidinho e só.


Chapter 9 é o melhor disco que você já fez?
Não, sei lá. Eu gosto muito do Aystelum e do Dwitza. Também gosto do Poptical. Eu gosto de todos. O meu primeiro disco está fazendo 20 anos, eu ouço ele até hoje e vejo sinceridade total no que está ali. Também gosto do Contrato Com Deus, meu segundo disco, que foi lançado na mesma semana do Plano Collor. Acho que eu já mostrava ali que não era um artista muito convencional. Até hoje tento fazer com que esse disco seja relançado, como ele tem um monte de vinhetas - o número de faixas extrapolou 14, que é o limite para a gravadora pagar o direito autoral único. A partir desse número a obra rende o dobro de direitos autorais. O disco foi amputado e lançado numa série Dois em Um com o primeiro, mas sem as vinhetas. Aí não é o disco, né? Os discos iniciais são ingênuos, sinceros, já são 20 anos. Estou quase um Van Morrison - solta uma risada.


Baixe o disco do homem (com encarte)aqui: http://albumvirtual.trama.uol.com.br

quarta-feira, agosto 27

Tempo Dos Mineiros


Quando eu tinha uns 14, 15 anos de idade, descobri o som dos artistas mineiros. Entenda por “artistas mineiros”, Beto Guedes, 14 Bis, Lô Borges, Milton Nascimento e derivados. O que se mostrava como descoberta, na verdade, era uma constatação daquelas primeiras experiências musicais que temos ainda na infância. No meu caso, lembro-me de ter 8, 9 anos e passar férias de julho e janeiro em Petrópolis – cidade da região serrana do Rio – e lá, na varanda da casa ou no rádio AM/FM da Brasília da minha mãe ou do meu avô, as programações de Tamoio FM e Mundial FM sempre tocavam canções desses artistas. Quando os reencontrei alguns anos mais tarde, a sensação de “dejá ouvi” foi total.

Escrevo sobre eles porque estou constantemente “redescobrindo” o valor desses caras e parece um processo que não tem fim. Há sempre alguma canção deles sendo reouvida ou um verso reinterpretado. Acredito que os bons artistas devam sempre possuir obras passíveis de adaptação aos nossos momentos, capazes de nos lembrar de nós mesmos. Pessoalmente, acho esse o maior feito de que um compositor é capaz. Portanto, no inicio da adolescência, lá estava eu, ouvindo os mineiros e fazendo a primeira grande turma de amigos no colégio. Era o início do segundo grau, das reuniões nas casas da Denise, da Fabiana ou da Fernanda, no Leblon ou Jardim Botânico, sempre marcadas por longas sessões musicais.

Aqueles momentos de descoberta musical coletiva, de olhares de cumplicidade e percepção simultânea de significados são inestimáveis. Até aquela época, meu idioma pop era o inglês de Queen e Police, as minhas primeiras bandas do coração. Ser capaz de furar um bloqueio cultural burro que enaltecia os produtos gringos e desdenhava da MPB era um feito e tanto. Havia espaço para o rock nacional dos anos 80, igualmente importante, mas ouvir os mineiros era, como disse acima, um reencontro com uma criança de 9 anos da qual eu já sentia falta em 1985/86. Imagine hoje.

Lembro nitidamente de me apaixonar por uma colega da mesma sala do Santo Agostinho e dedicar a ela “Amor de Índio”, de Beto Guedes e Ronaldo Bastos, inúmeras vezes. Essas declarações de amor eram leves e secretas como o olhar e o movimento das nuvens. Intencionalmente, claro. No meu caso especifico, os mineiros eram cúmplices e parceiros, serviam, na verdade, como meus porta-vozes, representantes junto a um poder maior.

Todos os discos disponíveis desses artistas foram adquiridos na finada Copadisco ou na filial Figueiredo Magalhães das Lojas Americanas. O carinho especial pela obra de Beto Guedes e Milton Nascimento permanece intacto, apesar de constatar tristemente que eles estão esgotados criativamente, ainda que esses sujeitos não precisem de novos sucessos ou discos para manter seu encanto. O público deles – e de todos os mineiros – está interessado no reencontro coletivo, é como um efeito especial que nos coloca frente a frente conosco, em diferentes momentos. Lembro-me de fazer fitas cassete com essas músicas, me imaginar em paisagens vistas da janela lateral do quarto de dormir ou embarcando num trem azul com o sol na cabeça.

Dos discos desses sujeitos eu tenho amor incondicional por Contos da Lua Vaga, Amor de Índio e Sol de Primavera, todos de Beto Guedes; Flor Lunar, Encontro das Águas e o primeiro do 14 Bis, além do Nascente, do Flávio Venturini, do Via Láctea e do “disco do tênis” do Lô Borges, pra não mencionar os dois volumes do Clube da Esquina e a discografia do Milton Nascimento até o Sentinela (1980).

O tempo passou e muitos momentos de reencontro com os mineiros vieram, num deles, por volta de 1989, conheci a obra de Pat Metheny, apresentada por um colega da Caixa Econômica Federal (meu primeiro emprego, como estagiário), que me mostrou um disco chamado First Circle, mineiro até os ossos, mas feito nos Estados Unidos. Metheny, o futuro senhor Sonia Braga, ainda tinha pelo menos um disco totalmente mineiro, chamado Still Life (Talking), com uma canção chamada “Last Train Home”, que poderia ser trilha sonora de uma viagem na mitológica Ponta de Areia, a estrada de ferro que ligava Minas à Bahia, na qual jamais passei da maneira convencional, mas que me é tão familiar como qualquer rua que tenha me visto nascer.
O tempo passa e eu estou cada vez mais sentimental em relação à música. Daqui a pouco será quase antiético escrever sobre ela, tamanha a intensidade da minha relação com artistas como os citados aqui.

Sobre se apaixonar e dedicar letras, um dia escrevi que queria uma fita cassete com “Os Outros” do Kid Abelha, dada por alguma ex-namorada arrependida e que tivesse me feito sofrer muito. Pois bem, voltando no tempo dessa suposição, essa namorada certamente teria em seus guardados, se tudo desse certo, um papel com a letra de “Amor de Índio”. Coisas da adolescência, meus caros. Um dia eu falo sobre as namoradas que não sabem que as namoramos.

Abba? Sim, por que não?


Se eu tivesse que elaborar uma teoria conspiratória, diria que houve um complô a partir da década de 1980 para eivar o ser humano da sua ingenuidade. E o resultado é um mundo menos ousado e muito mais previsível, com poucas possibilidades de reverter a situação.
O que me levou a pensar isso? Bem, há tempos cogito algumas teorias malucas, uma delas, inclusive, dá conta que o mundo acabou lá por 1994 e ninguém notou. Mas o fim da ingenuidade, e suas conseqüências para nós, é algo quase palpável. O último insight que tive e que me lembrou os males que surgem com o domínio do ceticismo e do pragmatismo sobre nós, teve lugar com a audição de uma coletânea do Abba. Sim, isso mesmo.

A banda sueca – e mais um monte de artistas dos anos 70 – representa a vitória do otimismo e da ingenuidade, além de uma nada sutil bofetada na face do chamado “sistema”, num nível próximo dos efeitos do movimento punk.
Exagero? Sim, oras, tudo referente ao Abba é exagerado, inclusive o talento por trás das canções e dos arranjos.

A reavaliação crítica dos suecos foi providencial a partir dos anos 90 e teve lugar com manifestações espontâneas de dois popstars. Bono Vox e o U2 resolveram incluir “Dancing Queen”, canção presente no quarto disco do Abba, Arrival (1976), no repertório da turnê que empreendiam em 1992. Gravações piratas de shows mostram a reverência do arranjo dos irlandeses, fidelíssimo ao original. E, quase na mesma época, Kurt Cobain aparecia numa foto com uma camiseta do Bjorn Again, grupo australiano que corria o mundo com o repertório dos suecos e que homenageava o mentor do Abba, Bjorn Ulvaeus em seu nome, além de procurar o trocadilho com a expressão “born again”. Ao ser perguntado sobre a camiseta, Kurt teria dito que admirava muito as canções do Abba. Estava aberto o caminho para a coletânea Gold, lançada em 1992, com todos os maiores sucessos da banda, para uma multidão de gente que desconhecia a existência deles, prontos para se esbaldar na versão grandiloqüente do pop sob a visão de Ulvaeus, do tecladista Benny Andersson e das cantoras Agnetha Faltskog e Anni-Frid Lyngstad (depois chamada de Frida).


A carreira do Abba não existiria se não fosse pela intervenção de Stig Anderson, produtor da primeira banda de Bjorn, os Hootenanny Singers e fundador do selo Polar Music. Anderson também conhecia os Hep Stars, conjunto que Benny liderava e pensou que os dois músicos renderiam muito mais se trabalhassem juntos. Bjorn, incentivado pelo empresário, trouxe sua esposa Agnetha para cantar na nova banda e Frida viria por intermédio de Benny, com quem começava a sair. O Abba, portanto, era formado por dois casais, tinha em seu nome um anagrama das iniciais dos integrantes (Anni-Frid, Bjorn, Benny, Agnetha) e uma visão empresarial ambiciosa (ingênua?) de Stig Anderson como guia das ações. Não podia dar errado.

Na Suécia dos anos 70 a música já era totalmente derivada do pop inglês mas existiam detalhes e situações próprias. Por exemplo, o Abba apareceu para o país a partir de duas participações no festival da Eurovision, uma emissora de televisão. “Ring Ring” obteve o terceiro lugar em 1973 e no ano seguinte, “Waterloo” tornou-se o primeiro single da banda a chegar ao topo da parada inglesa. O Abba era visualmente influenciado pelo glam rock, mas seu som não tinha qualquer relação com o estilo de Marc Bolan. O pop do Abba era uma meticulosa criação de Bjorn e Benny, influenciados diretamente por Phil Spector, Brian Wilson, Bee Gees e os Beatles. Os elementos sonoros que aparecem a partir do quarto disco, Arrival, são acima de qualquer suspeita e não fazem feio diante das comparações com as influências.

O efeito de “wall of sound” que eles conseguiram a partir deste trabalho coloca o Abba como um herdeiro nórdico do pop sessentista, acrescido de batidas disco e marcado por uma tendência ingênua e extravagante de misturar elementos visuais. As letras, ao contrário do que podem parecer, são multifacetadas e podem falar de one-night stands (Voulez Vous”), musas adolescentes (“Dancing Queen), paixões espanholas (“Fernando”, “Chiquitita”) ou refugiados russos em plena União Soviética (“Visitors”). O consenso geral aponta o sétimo disco do Abba, Super Trouper (1980), como o melhor de sua carreira. Era um tempo de mudança, da chegada da new wave e os suecos aproveitavam para se desvincular da disco music. A banda sempre foi incluída de maneira equivocada no balaio de gatos da disco, algo que nunca foi totalmente coerente. Em 1980 os suecos deram a sua versão do novo som, um amálgama que guardava pouca semelhança com o que grupos americanos e ingleses vinham fazendo, mas era totalmente Abba.

Os fraseados de teclado que Bjorn concebia se mantém atuais, a ponto de Madonna samplear “Gimme Gimme Gimme” e usá-la como base para seu sucesso de 2005, “Hung Up”. Além dela, “The Winner Takes It All”, canção melodramática – no bom sentido – sobre o divorcio de Bjorn e Agnetha dava o tom de tristeza total e “Our Last Summer” acenava para amores no Summer Of Love (1968), definida por Bjorn como "uma memória de melancolia de um último verão de inocência".


Em 1983, dois anos após o lançamento do oitavo e último disco The Visitors, o Abba encerraria suas atividades para nunca mais voltar, nem por um bilhão de dólares, valor oficialmente oferecido a eles por disco, turnê e todo o aparato publicitário em 2000.
O que dá pra pensar disso? O Abba e outras bandas setentistas como Electric Light Orchestra, Carpenters, por exemplo, não tinham como preocupação nenhuma forma de posição política ou comportamental. A identificação dessas formações com os ouvintes descompromissados da música pop formou gerações de fãs em países remotos como Argentina, Austrália e quase toda a Europa, até mesmo os EUA.

A proposta de uma banda sueca que emulava sons sessentistas e se valia das habilidades de músicos locais para atingir astronômicos 360 milhões de discos vendidos não era apenas misturar talento, roupas bregas e diversão. Eram dois casais numa aventura pop, ganhando o mundo, algo impensável para suecos em meados da década de 1970. Cantaram em inglês, sueco, espanhol, alemão e marcaram seu nome para sempre na história. E nunca deixaram de lado a ingenuidade, não aquela que se aproxima da tolice, mas a que possibilita pessoas com figurinos de oncinha e roupas espaciais de gosto duvidoso serem tratadas como heróis.


PS: Esse texto não é produto da ação da trilha sonora do filme Mamma Mia, inspirado no musical da Broadway, que traz Meryl Streep, Colin Firth e outros, cantando 18 sucessos da carreira do Abba. Mesmo que as interpretações sejam sensacionais, servem de guia para a obra da banda. Ouça sem preconceitos.

terça-feira, agosto 5

Dedos de Prosa sobre Rock Progressivo

Amigos, amigos, eu estou ouvindo muito rock progressivo atualmente. A tal ponto que não consigo ouvir – como se deve – outro estilo musical. Isso está, inclusive, atrapalhando minha função de crítico, principalmente porque preciso emitir opinião sobre bandas totalmente anti-progressivas e o estilo nunca me pareceu tão amigável e hospitaleiro.

Talvez tenha a ver com o número cada vez maior de bandas atuais que pegam emprestado a estética do progressivo e a mascaram. Pode ser também um grande e permanente tédio com a modernidade, cada vez mais vazia e dominada por falsas novidades, personificadas em artistas sem conteúdo ou o quê dizer. Talvez os dois motivos juntos.

Há uma total falta de informações para o grande público sobre o que significa o termo “progressivo”, mesmo que algumas bandas badaladas em diferentes nichos mercadológicos sejam cria direta do chamado “prog rock”. Desde 14 Bis a Mars Volta, muita gente deve os fundilhos ao prog, criado e estabelecido no fim dos anos 60, mais precisamente na Inglaterra. Algo que sempre me irritou na crítica musical da grande/média imprensa foi o preconceito geracional com o estilo e a total falta de disposição para compreender o significado de discos e bandas progressivas ao longo dos tempos.

É como se o crítico de trinta anos – com infância nos anos 80 – fosse criado com raiva do irmão mais velho, que não emprestava os discos do Yes e do Genesis. Sendo assim, em busca do “moderno” e “atual”, o futuro escrevente rocker iria encontrar o movimento punk e seus rescaldos, o pós-punk e a new wave e os adotaria como ponto de partida para estabelecer seu gosto. Acreditem, essa cena é mais comum do que vocês podem imaginar.

O progressivo nasceu de uma mutação do rock psicodélico. Na época se definia por “psicodélico” o grupo que se valia do uso de drogas alucinógenas para compor – algo que acabou banalizado e descaracterizado com o tempo, principalmente porque todo mundo passou a se valer desse “aditivo” químico. O progressivo é, portanto, uma tentativa louvável de dar ao rock um status mais “sério” e “valioso” enquanto música.

Os arquitetos dessa vertente pensaram nos parâmetros da época para credenciar o rock para freqüentar os grandes salões do mundo adulto e o revestiram com uma roupagem clássica, erudita, além de um subtexto mitológico/mágico, que insinuava uma aproximação com a literatura. Era engraçado notar que os jovens músicos que integraram as primeiras bandas progressivas possuíam um background clássico, herdado da educação tradicional européia. Isso quer dizer que os sujeitos aprendiam a tocar música clássica no colégio e emprestavam essa visão para o rock, algo que aparecia muito mais como destreza/habilidade na execução de um instrumento do que na criatividade para compor.

Claro, isso num primeiro instante, pois, a partir de 1970, grandes discos progressivos foram feitos, lançados, magnificamente compostos e com músicas nos primeiros lugares das paradas de sucesso britânicas, em versões editadas de suas longas canções. Aliás, o formato das músicas também refletia o abandono da estética pop (instrumental de baixo, bateria e guitarra, refrão, duração de três minutos) em benefício de canções com mais de dez minutos de duração, com vários “movimentos”, lembrando sinfonias, sonatas e demais abordagens clássicas.

Num determinado momento, nada foi mais moderno e antenado que o rock progressivo. Bandas como Yes, King Crimson, ELP, Pink Floyd, Moody Blues, Genesis, apenas para mencionar as mais famosas, representavam o futuro, procuravam conectar seus discos a conceitos literatos, esclarecidos e não hesitavam em estender suas canções para fronteiras dos vinte, trinta minutos.

Tudo isso é muito legal e libertador. Você imagina algo assim nos dias de hoje? Até poderia considerar bandas como Marillion, Pendragon, Porcupine Tree ou mesmo os islandeses do Sigur Rós para ilustrar esse panorama, mas a imagem delas não é totalmente satisfatória diante da sensação de novidade que as primeiras incursões das formações setentistas tiveram lugar. O estilo foi tão democrático que proporcionou o surgimento pioneiro de bandas na Holanda (Focus), Itália (PFM, Le Orme), Alemanha (Kraftwerk, Tangerine Dream, Can), unidas pelo terreno comum da mistura de clássico com rock e com sucesso fora de seus países de origem.

O rock ficou velho, meus caros. A despeito do que sempre poderão afirmar, fica cada vez menos acessível ao jovem dos anos 00 o entendimento do que seus pais ouviam em 1970, 1980. E sempre tivemos vontade de chocar os pais ou, pelo menos, fazer tudo diferente do que eles poderiam pensar em fazer. Pais são fãs de rock, filhos não. Claro, é uma regra com muitas exceções, mas desconfortavelmente presente.

Na tentativa de quebrar o bloqueio de informações, aqui vai uma pequena lista pessoal de discos legais para você começar a sua exploração no progressivo. Experimente...E sugira os seus favoritos também.

Yes – Close To The Edge (1972)
Define o momento em que o Yes atingia a maturidade, algo que já se insinuara no disco anterior, Fragile (1971), também altamente recomendável. Aliás, a discografia do Yes é um bom indicativo do que o rock progressivo poderia proporcionar – para o bem ou para o mal.

Genesis – Lamb Lies Down On Broadway (1974)
É o último disco com Peter Gabriel nos vocais e marca o fim de uma era. O Genesis ainda seguiria digno até 1978, quando abraçou o formato pop.

Moody Blues – Seventh Sojourn (1974)
É o ultimo trabalho dos chamados “classic seven”, a seqüência de discos gravados pelo Moody Blues entre 1967 e 1974. Seventh Sojourn é um belo exemplo de progressivo sutil, sem grandes viagens instrumentais e se valendo de um formato mais “pop”.

Emerson, Lake And Palmer – Brain Salad Surgery (1973)
O grande disco do trio, ainda que seu trabalho homonimo de estréia seja sensacional. Aqui está a belíssima balada de Carl Palmer “Still You Turn Me On”, bem como as “impressões” sobre “Karn Evil”. A capa é um show à parte.

King Crimson – In The Wake Of Poiseidon (1971)
A grande banda progressiva, influente, ousada, genial. Esse é o segundo disco deles, com uma das músicas mais bonitas jamais feitas, “Cadence And Cascade”. Aviso: a discografia do Crimson, entre 1969 e 1975 é indispensável. O retorno da banda em 1980, totalmente reformulada, ainda geraria três discos essenciais para a compreensão do rock moderno (até hoje não igualado) – Discipline (1980), Beat (1982) e Three Of A Perfect Pair (1983)

Pink Floyd – Meddle (1972)
Este é o primeiro disco realmente progressivo do Pink Floyd e talvez o único, dentro da estética mais convencional do estilo. Faixas como “One Of These Days” e “Echoes” credenciam o antecessor de Dark Side Of The Moon e o que entende-se por “som Pink Floyd”.

Jethro Tull – Thick As A Brick (1971)
Clássico em todas as suas expressões, desde o encarte – que compunha as páginas de um jornal fictício – até a fusão perfeita de folk e progressivo pelas mãos do louco Ian Anderson. Aqualung, de 1970, também é essencial.

Renaissance – Prologue (1972)
Grande banda inglesa de segundo escalão, responsável por belos discos, dentre os quais esse é o melhor. Enxuto, cheio de canções pontuadas pelo vocal celestial de Anne Haslam, Prologue fala sobre o mar e as pessoas, de forma suave e belíssima. Também vale conferir Novella e Ashes Are Burning.

Premiata Forneria Marconi – Per Un Amico (1972)
A banda de progressivo italiano mais conhecida. O PFM surgiu no início dos anos 70 com uma sonoridade híbrida de Genesis e King Crimson, evoluindo para um estilo próprio. Vale ouvir a versão em inglês desse disco, gravada para o Reino Unido no ano seguinte, Pictures Of Ghosts.

Marillion – Script For A Jester’s Tear (1981)
O primeiro disco da grande banda de “neo-progressivo” escocesa, responsável por belíssimos trabalhos conceituais entre 1981 e 1988, quando teve o vocalista e compositor Fish à sua frente. Depois, a partir de Season’s End (1989), Steve Hogarth assumiu a liderança do Marillion sem o mesmo brilho. Em 2005, no entanto, a banda reeditaria seus bons momentos com o belo disco Marbles.

terça-feira, julho 29

O Futebol

Há pouco menos de uma semana eu estive na Gávea. Pra quem não sabe, além de um bairro de classe média-alta carioca, entende-se por “Gávea” o nome da sede do Clube de Regatas do Flamengo. Fomos levar meu enteado Gabriel – um rubro-negro dedicado, de 13 anos – e um amigo dele ao treino do time, às vésperas do jogo em que o Flamengo empataria sem gols com o Botafogo. Ficamos no estacionamento próximo ao campo de treino, esperando os jogadores saírem para que as crianças pedissem autógrafos, nada mais normal. Até que, em meio aos integrantes do atual elenco do time, surge Andrade, hoje um dos auxiliares técnicos do Flamengo. Me emocionei e pedi à minha esposa que encontrasse uma brecha para me fotografar ao lado do velho ídolo rubro-negro. O resultado abre esse texto, que ficou indo e vindo em minha mente, pedindo por publicação.

Andrade era meio-campo do antológico time do Flamengo de 1981, que foi a Tóquio e venceu o Liverpool, na final do Campeonato Mundial Interclubes. Isso aconteceu no dia 13 de dezembro daquele ano, aniversário da minha mãe. Eu tinha 11 anos e me lembro que obtive uma permissão inédita para ficar acordado com meu avô para ver o time jogar. Talvez tenha sido a primeira vez em que eu dormi tão tarde. Em campo, uma constelação de astros, que venceu os ingleses por três gols a zero. A minha intenção não é fazer uma ode ao time que torço, mas compreender o porquê da visão de um Andrade grisalho me desperta essa conexão tão forte com um passado que acredito ser comum a todos.

Sim, você não precisa gostar de futebol a ponto de ver jogos como XV de Jaú x Saad E.C. ou similares para entender alguns detalhes sobre o esporte bretão que justificam plenamente sua relevância mundial. O esporte – quase sempre – foi uma forma ética, controlada e civilizada de guerra e competição entre homens e grupos de homens. Não se espante, o ser humano gosta e precisa de afirmações de força e soberania sobre seus semelhantes. Está na natureza humana e, possivelmente, escrito à base de adeninas, guaninas e demais integrantes do nosso DNA.

As competições em que o mais forte vence – seja em que habilidade for – remontam aos tempos da caverna e podem ser observadas em outras espécies. Portanto, sem falsos moralismos. Futebol, vôlei, basquete, boliche e todos os esportes constituem uma tentativa de superação de metas e oponentes. O grande toque da civilização foi tornar esse desejo de sobrepor-se algo ético e dotado de explicação moral. O esporte é a disputa controlada e dentro de limites, que o tornam inspirador e fonte de ensinamentos que dotam o ser humano de cidadania.

Quando a gente toma ciência do que é esporte, lá pelos primeiros anos de vida, compreendemos que podemos fazer parte daquilo. Toda criança gosta de correr e jogar bola, até que surgem as primeiras competições informais, nas quais os mais hábeis se destacam dos outros. O código para isso é a associação da destreza com a virtude, algo que desestimula os menos hábeis a continuar jogando. Mais tarde, a maturidade dá a esses jogadores de segundo escalão o bom humor e a capacidade de enfrentar a situação em que os mais virtuosos sempre vencem.

A moralidade do esporte diz que o treino e a determinação são as chaves para ser um bom atleta, algo que praticamente inclui todo mundo como potencial praticante de esporte. E têm lugar aqueles conselhos que ouvimos a cada jogada frustrada: “Veja, se você é ruim no futebol, pode ser bom no vôlei ou basquete”. Quem nunca ouviu isso? E quem nunca foi colocado no gol porque não jogava bem na linha? E quem nunca ouviu que só tinha lugar no time de handebol? São metáforas moralmente legais para “você é ruim, não tem lugar no nosso time”.

Os esportes coletivos têm um parentesco evidente com as guerras, principalmente porque eles se apresentam em diferentes âmbitos. Sempre tomando o futebol como exemplo, podemos pensar que há times dentro de um município, disputando o mesmo campeonato. As rivalidades entre bairros e regiões da cidade são colocadas em campo. Sendo assim, times de diferentes procedências dentro de um mesmo lugar se enfrentam como gangues rivais, dentro de regras e determinações que procuram dar igualdade de condições a todos.

Amplie essa perspectiva para campeonatos que congregam os estados de um país e as nações propriamente ditas, todas se enfrentando em busca do objetivo final – a vitória. O futebol talvez seja o esporte em que a moralidade e o bom-mocismo são menos evidentes. O que dizer de jogos entre Brasil x Argentina ou Brasil contra qualquer outro país da América do Sul? Estão em campo todas as diferenças culturais, o português imperial contra as repúblicas bolivarianas ou platinas, todas formadas na mesma época. Os países mais pobres contra o “gigante continental”. E os jogos entre México e Estados Unidos, nos quais os mexicanos têm a chance de dar o troco pela opressão ianque de muitos anos e pela anexação de terras que os americanos promoveram ao longo do século XIX? Quem achar que essas questões não estão em algum pensamento ancestral dos jogadores, estará enganado.

Os jogadores são os protagonistas da guerra. O técnico é o sujeito que imagina a maneira de vencer o oponente. Quando uma torcida vaia um jogador é porque não o julga digno de vestir o uniforme do time. E o que seria o estádio senão o campo de batalha? E a platéia senão os povos que se enfrentam e são afetados diretamente pelos resultados das partidas?

Desde a década de 1990 que o futebol – e os esportes coletivos em geral – vêm sofrendo com a assimilação do dinheiro na engrenagem que mantém a máquina moral funcionando. Salários altos, propostas financeiras tentadoras, campeonatos mais disputados em países europeus; tudo isso faz com que cada vez mais jovens iniciados sejam despachados para o exterior, em busca de algo que a torcida não consegue associar à guerra. Quando há um conflito entre nações, não há espaço para dilemas morais ou de qualquer outra natureza para explicar o porquê deste ou daquele soldado não combater. Todos são voluntários na defesa do bem comum, certo? E no futebol, quando este ou aquele atleta deixa um time por proposta de outro e abandona o uniforme anterior para vestir uma nova farda?

Andrade, o homem da foto inicial, fez isso ao usar o uniforme do maior rival do Flamengo, o Vasco da Gama. Naquele tempo – fim dos anos 80 – ainda havia algo que não permitia duvidar da honra de um jogador. E eles ficavam anos a fio no mesmo time, como se nos dessem a certeza de que eram torcedores e defensores da mesma causa.

O mundo esportivo moderno é regido pelo dinheiro – assim como quase todas as manifestações humanas – e isso, por mais que estejamos acostumados à rotina do esporte, é um elemento estranho ao todo.

De qualquer forma, há vinte e sete anos, eu não sabia de nada disso. Era apenas um pouco hábil jogador de futebol no colégio, porém, um orgulhoso torcedor do meu time e das pessoas que fizeram essa personificação do que ele representa. Andrade, o velho Tromba, camisa 6, foi um dos responsáveis por isso e eu sou grato a ele.

O Celular de Diamante Do Jota Quest

Vejam essa notícia, meus caros e caras:

"Novos tempos no mercado da música. O Jota Quest vai receber um prêmio inusitado essa semana: um "Celular de Diamante", versão do tradicional "disco de diamante", entregue pelas gravadoras quando um álbum atinge determinado número de vendas. Isso porque o aparelho celular Sony Ericsson contendo músicas do álbum "Até Onde Vai" (termo oficial: "conteúdo embarcado") ultrapassou as 500 mil unidades vendidas. Além disso, foi recorde de vendas da Sony Ericsson, que realizou essa parceria com a operadora Vivo e a gravadora SonyBMG. O conteúdo do CD lançado em outubro e ainda disponível nas lojas é: 5 músicas ("Dias Melhores", "Palavras de Um Futuro Bom", "Mais uma Vez", "Até Onde Vai" e "De Volta Ao Planeta" ), 1 videoclipe ("Palavras ao Vivo"), 1 mini documentário (extraído do DVD "Até Onde Vai" ) e 3 wallpapers (capa do DVD + foto da banda + logo da banda)".

O que pensar disso? Antes de mais nada, sinto saudades sinceras do tempo em que o celular era um telefone, apenas isso. Sei que é legal ouvir mp3, ver televisão, jogar, tirar fotos, mandar e-mails, mas acho sempre que o celular deveria apenas servir para funções telefônicas e todo o espectro de demandas que estão ligadas a essa situação.

Por exemplo, é legal ter agenda, opções de toques polifônicos e tecnologias mil para variá-los de vez em quando. Me aflige ver uma banda de rock sendo premiada com o Celular de Diamante, mas conforta-me que seja o Jota Quest a receber essa "honrosa" menção. São os tempos difíceis, dos discos financiados com a Lei Rouanet, dos DVD's ao vivo pagos com dinheiro do Ministério da Cultura, dos conteúdos na internet, dos álbuns lançados (e somente viáveis) sob a chancela de canais de televisão.

Enfim, a indústria musical, em sua faceta mais conservadora e anti-consumidor está representada nessa notícia e mostra o quanto o Brasil não aprendeu com coisas como selos independentes e do it yourself. E, pior, me constrange ver a quantidade de artistas independentes e promissores no país que não têm qualquer chance de aparecer para um usuário de celular. Mesmo que ele tenha optado por comprar seu aparelho sabendo que teria um conteudo especial do Jota Quest. Será que os aparelhos oferecidos gratuitamente pelas operadores como mecanismo de retenção de clientes estão contabilizados nessa estatística? Eu, como cliente da Vivo, já recebi oferta para ter um Sony Ericsson gratuito e não o quis. Caso tivesse aceito, eu integraria esse grupo de 500 mil usuários/ouvintes?

A propósito: já vi aparelhos com conteúdo do Killers, da Amy Winehouse e do Rappa.
No fim dá tudo no mesmo, não?

A Irritação de Nome Próprio


Diga-me, você veria um filme inspirado totalmente na “obra” da blogueira Clarah Averbuck? Pagaria – ainda que fosse meia-entrada – para ver quase duas horas de uma versão pequeno-burguesa e inconseqüente de sociopatia light, travestida de marginalidade e “busca pela liberdade de expressão”?

Eu não. Mas fui mesmo assim, principalmente porque a atriz escolhida para o papel chama-se Leandra Leal, certamente um dos maiores nomes da dramaturgia nacional. A menina vai longe, se tudo der certo.

Quanto ao filme de Murilo “Unibanco” Salles, podemos dizer que ele constitui um curioso exemplo de bom trabalho sobre um tema inócuo, o que, aparentemente, tira muito do brilho da empreitada.

Lá pelo inicio da década de 2000, a Internet começou a ser popularizada e uma de suas revoluções foi o advento dos blogs. Com eles, praticamente todo usuário da Grande Rede passou a contar com o poder de emitir opiniões e tê-las publicadas em diários – os tais weblogs, depois chamados de blogs – cuja leitura estava ao alcance de todos. Daí vem a história de Clarah Averbuck, uma gaúcha que iniciou-se no ofício dos blogs nessa época, mais precisamente em 2001, quando mudou-se para São Paulo e iniciou as postagens do diário virtual "brazileira!preta". Logo depois ela lançaria seu primeiro livro, “Maquina de Pinball”, no qual narra seu cotidiano na cidade grande, sempre sob o ponto de vista pessoal e versando sobre amor, ódio, solidão e frustração.

Mais dois livros vieram, “Das Coisas Esquecidas Atrás Da Estantes” e “Vida de Gato”, consolidando a figura da moça como uma espécie de ícone desse universo virtual. A adaptação de “Pinball” para o teatro por Antonio Abujamra em 2003 abriu caminho para a idéia de trazer um mix das histórias de Clarah para o cinema, levada adiante por Elena Soarez e Melanie Damantas, que escreveram o roteiro para Murilo Salles produzir e dirigir Nome Próprio. Ok. E daí?

O filme tem dois méritos bastante louváveis, além da atuação prodigiosa de Leandra Leal: a estética anti-Globo, cheia de silêncios, escuros, vocabulário nada moderado e cenas de sexo implícito – mais reais que as explicitas – e uma aura politicamente incorreta. E, além disso, um time de atores praticamente desconhecidos do grande público, todos com cara de amadores e iniciantes, conferindo ao filme outra aura, a de filme independente.

Assusta, no entanto, a seriedade com que as narrativas umbiguistas de Clarah Averbuck são tratadas por esse pessoal "das artes". Longe de ser um fenômeno ou uma voz a ser ouvida, a blogueira e sua vida passam por uma análise nada isenta por parte do roteiro e tem seu modus vivendi quase glorificado e legitimado, ainda que isso tudo pareça contundente e cru na tela. A Camila de Leandra Leal vive uma marginalidade falsa, experimenta e procura suplantar limites irreais e clama por uma dúbia liberdade de expressão. Todo o suposto arrojo da personagem – que pode ser confundido com má índole, prostituição e mau-caratismo explícitos – é produto de uma sociedade paralela e extremamente tolerante com os desvios sociais e psicológicos, na qual os jovens experimentam toda sorte de drogas e enchem a cara de bebida alcoólica, não como reflexo de suas vidas miseráveis, mas para glorificar o status “marginal”, algo que é mantido com um código de comportamento e conhecimento superficiais da realidade.

É irritante ver uma jovem mulher escrevendo num computador à base de anfetaminas reclamando do namorado que a pôs para fora do apartamento dele porque ela transou com outro, em vez de vê-la procurando um emprego ou algo assim. A alienação atinge um nível desconfortavelmente grande, afinal de contas, a vida dessas pessoas parece existir e fazer sentido apenas nos sites da Internet. Diante da vida real, toda a maquiagem e esperteza somem num redemoinho de erros.

Enquanto clama por uma liberdade de escrita, exercida através da descrição nada ética de suas aventuras em seu blog, Camila não hesita em trair amigos, namorados, leitores e abusa de todos – e talvez dela também – para satisfazer apenas a si mesma, deixando de lado qualquer possibilidade de coexistência.

A pesquisa de Leandra Leal para o papel deu-se com a própria Clarah, mas talvez o trabalho da atriz e sua dedicação ao filme e ao personagem seja muito mais legítima e verdadeira que as palavras de Averbuck. O charme do filme tem muito de sua razão de existir na tênue fronteira que coloca o sofrimento de Camila/Leandra/Clarah em dúvida o tempo todo e na irritação que tanta alienação travestida de marginalidade pode causar em pessoas que não vêem o mundo sob a ótica de um monitor.

Prepare seu estômago e procure ir acompanhado para poder meter o malho em muitas situações ao longo do filme.


quarta-feira, julho 23

O Disco do Justus Levado a Sério


Amigos, amigos, estou ouvindo o disco de Roberto Justus, Só Entre Nós, lançado recentemente pela Sony/BMG. Fico pensando em como o mundo é um lugar interessante e irônico.

Justus é um empresário bem sucedido do ramo de comunicação que surgiu para a mídia nos anos 90, após casar-se com a apresentadora de TV Adriane Galisteu. Não deu certo. Depois casou-se com outra loura falante da TV, Eliana, aquela que cantava uma música falando sobre os dedinhos. Não deu certo. Hoje ele é o marido da filha da Garota de Ipanema, Ticiane Pinheiro.

Ele também é o CEO do Grupo Newcomm, uma das maiores empresas nacionais no ramo de cases e coisas que versam sobre o assunto comunicação. Imagino que empresas como essa sejam responsáveis pela banalização da comunicação empresarial, pelo anglicanização da publicidade, pela adoção da filosofia de trabalho calcada em palavras e conceitos subjetivos como “empreendedorismo”, “proatividade”, “alavancar negócios”, "target", "budget", enfim, pelo teatro de vaidades que existe nesses lugares.

Bem, sou intencionalmente leigo nesses aspectos e minhas opiniões podem ser motivo para a criação de um case sobre a desinformação, mas, uma coisa lhes garanto, amigos, eu gosto do Justus não por ser bem sucedido, mas por ser um cara que não tem medo de pagar micos. Seu disco é um mico, um King Kong, um elefante branco tão grande que me atraiu a atenção a ponto de merecer um texto, hum, sério sobre os motivos que o levaram a existir. O homem gravou clássicos do cancioneiro mundial com uma baita cara-de-pau. Uma olhada no site da Saraiva e me deparo com o seguinte textinho sobre o Só Entre Nós:

“Em 2007 Justus foi convidado para fazer uma participação no show de um amigo e o que era para ser apenas uma brincadeira acabou se tornando uma coisa séria. Como em todos os seus negócios, Justus colocou todo seu empenho na gravação de seu primeiro CD intitulado “Just Between Us”. Justus produziu uma tiragem limitada de apenas duas mil unidades e o álbum tornou-se objeto de desejo entre seus fãs. Este álbum chega agora pela SONYBMG com seu nome em português Só Entre Nós, mas com o mesmo repertório: os grandes sucessos da musica internacional.”

Sentiram a ironia com o título em inglês quase formando o nome JUSTUS? Just Between Us? Viram o tino comercial mambembe para a coisa? Quase posso ver executivos – como os que ele demite em O Aprendiz – pensando nas possibilidades de nomes e imaginando como agradar o homem. Mas existe muita coisa sobre o disco que o mundo precisa – ou não – saber.


O repertório avilta e joga na lama do mau gosto momentos de Beatles, Louis Armstrong, Rod Stewart, Elvis Presley, Elton John, Frankie Valli, Nat King Cole, Frank Sinatra, Mamas & Papas, em seus sucessos mais manjados, banalizados e pasteurizados, levados a cabo por uma big band de dez pessoas, comandada pelo talento musical de Afonso Nigro, o produtor. Para quem não sabe ou não lembra, Nigro já foi líder do Dominó, famosa boy band brazuca oitentista que grassou na parada de sucesso nacional com canções que escorraçavam a inteligência da nossa juventude. Dizem que Gugu Liberato estava por trás do Dominó, ou vice-versa, enfim, Nigro é o maestro do disco de Justus e executa todas as composições como se fossem uma só.

O modelo a ser seguido é daquelas bandas de baile, nas quais o teclado faz a diferença e dá essa impressão de uniformização do mal. Sem noção de arranjo ou interpretação, Entre Nós flui como um desses eventos de engravatados e emproadas, regado a muita aparência e bebidas espumantes, tudo muito brega e constrangedor.

Veja a inclusão de “Perhaps Love” no repertório. Ela figurou num disco obscuro do cantor country John Denver gravado em 1983, mas foi recolocada no mapa como trilha sonora de um comercial no início dos anos 90. Com a participação do tenor espanhol Plácido Domingo na gravação original, “Perhaps Love” é "interpretada" no disco de Justus por Agnaldo Rayol. A sutileza do dueto de Denver e Domingo é transformada num engalfinhamento estético de Justus com Rayol, certamente pensando apenas na objetividade funcional, ou seja, a voz pop e a voz erudita, apenas isso.

Em “Tonight’s The Night”, de Rod Stewart, nosso amigo Roberto conta com a participação imperdoável (mais uma para a extensa coleção) de Paulo Ricardo. Justus deve ter pensado: essa canção é rock, precisa de alguém totalmente rock para dar veracidade à minha interpretação. Paulo Ricardo também participa da execução sumária de “Your Song”, de Elton John. Dizem ainda que os discos American Songbook, de Rod Stewart, serviram de inspiração para o conceito de Só Entre Nós. É possível.

As primeiras duas mil cópias foram compradas pela Daslu, famosa boutique paulistana para serem dadas como presente para os clientes mais assíduos. O que pensar disso? Você gasta uma fortuna na loja e ganha Justus trucidando clássicos do pop internacional? Anti-marketing? Quem compra na Daslu, conhecida por envolvimentos com sonegação fiscal, talvez mereça mesmo um disco desse quilate.

O mau gosto, senhoras e senhores, chegou a um ponto de não retorno. Os conceitos do que é bom e ruim, cool e brega foram levados a um extremo que permite essas situações. Essa gente que pensa e age como se estivesse em outro país, mostra a total incompetência para manifestar-se de uma maneira artística, quando é necessário.

É engraçado ver Justus na televisão demitindo as pessoas que participam de seu programa, ainda que ele seja uma versão tupi de The Apprentice, show americano que traz Donald Trump como o empresário durão e mauzão. O laquê de Justus é fichinha perto do cabelo aerodinâmico de Trump. Ouvir Justus, entretanto, só como piada. De gosto duvidoso, claro.

Você pode dizer: esse tal de CEL é um cara despeitado, malhando o executivo bem sucedido com essas noções de crítico musical. Então ele não sabe que o Justus não deve ser levado a sério como cantor? Deve ganhar num mês o que Justus ganha em um minuto. Se você pensou isso, não está errado, pelo menos no que diz respeito aos vencimentos. De resto, é preciso que alguém se manifeste com o mínimo de propriedade sobre um evento – ou case – dessa natureza. Um disco do Justus, senhoras e senhores, é a abertura de um buraco negro na música, seja ela pop, rock ou para boi dormir.

Track list:

- What A Wonderful World

- I’ve Got You Under My Skin

- Unforgettable – dueto com Cathy Justus Fischer

- Yesterday

- Perhaps Love – dueto com Agnaldo Rayol

- Can’t Take My Eyes Off Of You

- Always On My Mind

- Your Song – dueto com Paulo Ricardo

- Tonight’s The Night – dueto com Paulo Ricardo

- Something

- My Way

- California Dreamin’