quinta-feira, junho 19

Maior Que A Vida

Gosto muito da expressão que dá título a este post. Quando ela é usada em inglês, assumindo a forma de “larger than life”, fica ainda mais bonita, sem qualquer estrangeirismo barato. Algumas frases e palavras no idioma de Shakespeare são mais apropriadas, assim como outras o são no idioma de Camões. As línguas, sendo assim, se equivalem e se complementam. Bem, o assunto não é a diferença entre português e inglês, mas o uso do termo “larger than life” para definir uma canção em especial. Quando falamos em algo maior que a vida, estamos automaticamente encapsulando nossa própria existência – e talvez a própria existência per se – e admitindo que há coisas maiores que a nossa passagem por esse plano. Não quero me prender a qualquer perspectiva terrena ou transcendental sobre a vida, mas, certamente, ela é menor que muitas “coisas”. E admito que manifestações artísticas podem e devem ser maiores e mais longevas que a nossa existência, justamente para que possam perdurar ao longo do Tempo, até que surja algo do mesmo tamanho e/ou importância.

Em 1993, mais precisamente depois que entrei para a faculdade de Jornalismo, conheci um grupo adorável de pessoas que me acompanhou ao longo dos quatro anos do curso e que não tive a habilidade para conservar ao meu lado, mesmo depois de a vida mudar as direções das nossas respectivas retas. Após a entrada na Uerj, passado o período dos trotes, conheci a última pessoa que mereceu o posto de “meu melhor amigo”. Leonardo Nascimento Salomão era um sujeito tímido, acuado num canto da sala de aula até que alguém o chamou para uma rodinha de conversa, daquelas em que a gente diz de que colégio veio, o que fez antes dali etc. Eu vinha de oito períodos de Direito, cursados em outra universidade, ciente da perda de três anos em relação aos meus colegas de turma. E o Léo veio até a rodinha, balbuciou umas poucas palavras. Naquele dia mesmo – ou no dia seguinte, não lembro – percebemos um grande interesse em comum: a música e a vontade de escrever sobre ela. Líamos a mesma revista Bizz/Showbizz, compartilhávamos do interesse em muitos artistas e começamos a escrever resenhas sobre os discos que comprávamos e as bandas que nos eram queridas. Ao longo do primeiro ano de Uerj se estabeleceu um ritual informal que consistia em uma sessão musical na casa do Léo, no Grajaú (bairro da Zona Norte do Rio). Alugávamos discos (sim, existia locadora de CD no inicio dos anos 90) e “aprendíamos” sobre eles na casa do Léo, ou não, quando o aprendizado era deixado em segundo plano, diante da tentação de uma partida de sueca.

Dessa época da minha vida eu lembro muito bem. Lembro de duas fitas K7 que o Léo me gravara com duas bandas que ele havia conhecido em sua recente passagem por São Paulo, cidade na qual morava antes de vir para o Rio. Uma fita trazia uma coletânea de uma banda chamada Violent Femmes. A outra era uma compilação do Waterboys. As duas formações, uma americana, outra escocesa, eram dos anos 80 e pertencem aquele grupo de bandas que nunca ficam totalmente famosas mas que são capazes de marcar época e se aninhar confortavelmente em nossa mente. É dos Waterboys que quero falar.

A banda escocesa, liderada pelo cantor/compositor Mike Scott surgiu no inicio dos anos 80 e lançou seu primeiro e homônimo trabalho em 1981. Dois anos depois veio A Pagan Place, seu segundo disco. Talvez por coincidência, o trabalho que projetou os Waterboys para além do Reino Unido foi o que conheci na fita K7 do Léo, This Is The Sea, de 1985. Quando esse disco foi gravado eu tinha 15 anos e só o estava conhecendo com 22. A música tem a capacidade de subverter a ordem cronológica das coisas e eu me vi adolescente de novo, ao me espantar com a riqueza melódica e a semelhança que as canções com os trabalhos de gente que eu começava a amar, principalmente Van Morrison e Bob Dylan. “The Whole Of The Moon”, o grande hit do disco me conquistou imediatamente, mas a canção-título é que ficou no meu bolso permanente, aquela bolsa marsupial de pequenas situações e coisas que nos definem e acompanham ao longo da existência.

Hoje, 23 anos depois do lançamento do disco e quinze depois da primeira vez em meus ouvidos, cruzei novamente com “This Is The Sea”, a música. É uma canção de redenção, de coisas no lugar. É um desses momentos em que somos capazes de olhar para nós mesmos e perceber o que fizemos, o que faremos e o que podemos fazer para acertar nos alvos que passam voando pela nossa frente. É um conselho, é um abraço de amigo, é uma viagem ao centro da nossa Terra. A voz de Mike Scott percorre a letra – nem tão grande – como quem percorre o caminho entre o quarto de sua infância e a sala da sua maturidade. Entre brinquedos, revistas, discos, choro, roupas, retratos deixados no caminho, vem a luz, como aquela calçada no clipe de “Billie Jean”, de Michael Jackson, que mostra o caminho que ele escolheu enquanto dançava. “This Is The Sea” é o barbante que amarramos no inicio do labirinto para que não esqueçamos de onde viemos e quem somos. A melhor figura da música é a analogia com o verso “that was the river, this is the sea”, no qual passado e presente são colocados frente a frente, um menor que o outro, um conectado ao outro, um alimentando o outro, indivisíveis e imprescindíveis.

“This Is The Sea” é uma canção maior que a vida. É solene, é apoteótica, vai tomando o controle aos poucos e quando você se dá conta, a canção e tudo que você pensa são quase a mesma coisa. “Larger than life”, eu diria.

Procurei no Youtube por algum clipe da canção e encontrei uma apresentação da banda por volta de 85-86 executando a música com um outro arranjo. E a versão original, apenas o áudio, servindo de background para um documentário sobre surf chamado Riding Giants. Escolho a segunda opção, pelo “crescendo” da música e pelas belas imagens, sabendo sempre que o “mar” cantando pelos Waterboys não é somente o oceano. É maior. Maior que a vida.

PS: post dedicado a Leonardo Nascimento Salomão, meu ainda amigo, padrinho de casamento e presença constante em “This Is The Sea”.

THIS IS THE SEA

(Mike Scott) 1985

These things you keep
You'd better throw them away
You wanna turn your back
On your soulless days
Once you were tethered
And now you are free
Once you were tethered
Well now you are free

That was the river
This is the sea!

Now if you're feelin' weary
If you've been alone too long
Maybe you've been suffering from
A few too many
Plans that have gone wrong
And you're trying to remember
How fine your life used to be
Running around banging your drum
Like it's 1973

Well that was the river
This is the sea!

Now you say you've got trouble
You say you've got pain
You say've got nothing left to believe in
Nothing to hold on to
Nothing to trust
Nothing but chains
You're scouring your conscience
Raking through your memories
Scouring your conscience
Raking through your memories

But that was the river
This is the sea yeah!

Now i can see you wavering
As you try to decide
You've got a war in your head
And it's tearing you up inside
You're trying to make sense
Of something that you just can't see
Trying to make sense now
And you know you once held the key

But that was the river
And this is the sea!

Now i hear there's a train
It's coming on down the line
It's yours if you hurry
You've got still enough time
And you don't need no ticket
And you don't pay no fee
No you don't need no ticket
You don't pay no fee

Because that was the river
And this is the sea!

Behold the sea!


Um comentário:

Anônimo disse...

opa, novidade! espero que tu não tenha ficado chateado com alguma coisa lá na verbeat :) um abraço e sucesso!