terça-feira, julho 29

O Futebol

Há pouco menos de uma semana eu estive na Gávea. Pra quem não sabe, além de um bairro de classe média-alta carioca, entende-se por “Gávea” o nome da sede do Clube de Regatas do Flamengo. Fomos levar meu enteado Gabriel – um rubro-negro dedicado, de 13 anos – e um amigo dele ao treino do time, às vésperas do jogo em que o Flamengo empataria sem gols com o Botafogo. Ficamos no estacionamento próximo ao campo de treino, esperando os jogadores saírem para que as crianças pedissem autógrafos, nada mais normal. Até que, em meio aos integrantes do atual elenco do time, surge Andrade, hoje um dos auxiliares técnicos do Flamengo. Me emocionei e pedi à minha esposa que encontrasse uma brecha para me fotografar ao lado do velho ídolo rubro-negro. O resultado abre esse texto, que ficou indo e vindo em minha mente, pedindo por publicação.

Andrade era meio-campo do antológico time do Flamengo de 1981, que foi a Tóquio e venceu o Liverpool, na final do Campeonato Mundial Interclubes. Isso aconteceu no dia 13 de dezembro daquele ano, aniversário da minha mãe. Eu tinha 11 anos e me lembro que obtive uma permissão inédita para ficar acordado com meu avô para ver o time jogar. Talvez tenha sido a primeira vez em que eu dormi tão tarde. Em campo, uma constelação de astros, que venceu os ingleses por três gols a zero. A minha intenção não é fazer uma ode ao time que torço, mas compreender o porquê da visão de um Andrade grisalho me desperta essa conexão tão forte com um passado que acredito ser comum a todos.

Sim, você não precisa gostar de futebol a ponto de ver jogos como XV de Jaú x Saad E.C. ou similares para entender alguns detalhes sobre o esporte bretão que justificam plenamente sua relevância mundial. O esporte – quase sempre – foi uma forma ética, controlada e civilizada de guerra e competição entre homens e grupos de homens. Não se espante, o ser humano gosta e precisa de afirmações de força e soberania sobre seus semelhantes. Está na natureza humana e, possivelmente, escrito à base de adeninas, guaninas e demais integrantes do nosso DNA.

As competições em que o mais forte vence – seja em que habilidade for – remontam aos tempos da caverna e podem ser observadas em outras espécies. Portanto, sem falsos moralismos. Futebol, vôlei, basquete, boliche e todos os esportes constituem uma tentativa de superação de metas e oponentes. O grande toque da civilização foi tornar esse desejo de sobrepor-se algo ético e dotado de explicação moral. O esporte é a disputa controlada e dentro de limites, que o tornam inspirador e fonte de ensinamentos que dotam o ser humano de cidadania.

Quando a gente toma ciência do que é esporte, lá pelos primeiros anos de vida, compreendemos que podemos fazer parte daquilo. Toda criança gosta de correr e jogar bola, até que surgem as primeiras competições informais, nas quais os mais hábeis se destacam dos outros. O código para isso é a associação da destreza com a virtude, algo que desestimula os menos hábeis a continuar jogando. Mais tarde, a maturidade dá a esses jogadores de segundo escalão o bom humor e a capacidade de enfrentar a situação em que os mais virtuosos sempre vencem.

A moralidade do esporte diz que o treino e a determinação são as chaves para ser um bom atleta, algo que praticamente inclui todo mundo como potencial praticante de esporte. E têm lugar aqueles conselhos que ouvimos a cada jogada frustrada: “Veja, se você é ruim no futebol, pode ser bom no vôlei ou basquete”. Quem nunca ouviu isso? E quem nunca foi colocado no gol porque não jogava bem na linha? E quem nunca ouviu que só tinha lugar no time de handebol? São metáforas moralmente legais para “você é ruim, não tem lugar no nosso time”.

Os esportes coletivos têm um parentesco evidente com as guerras, principalmente porque eles se apresentam em diferentes âmbitos. Sempre tomando o futebol como exemplo, podemos pensar que há times dentro de um município, disputando o mesmo campeonato. As rivalidades entre bairros e regiões da cidade são colocadas em campo. Sendo assim, times de diferentes procedências dentro de um mesmo lugar se enfrentam como gangues rivais, dentro de regras e determinações que procuram dar igualdade de condições a todos.

Amplie essa perspectiva para campeonatos que congregam os estados de um país e as nações propriamente ditas, todas se enfrentando em busca do objetivo final – a vitória. O futebol talvez seja o esporte em que a moralidade e o bom-mocismo são menos evidentes. O que dizer de jogos entre Brasil x Argentina ou Brasil contra qualquer outro país da América do Sul? Estão em campo todas as diferenças culturais, o português imperial contra as repúblicas bolivarianas ou platinas, todas formadas na mesma época. Os países mais pobres contra o “gigante continental”. E os jogos entre México e Estados Unidos, nos quais os mexicanos têm a chance de dar o troco pela opressão ianque de muitos anos e pela anexação de terras que os americanos promoveram ao longo do século XIX? Quem achar que essas questões não estão em algum pensamento ancestral dos jogadores, estará enganado.

Os jogadores são os protagonistas da guerra. O técnico é o sujeito que imagina a maneira de vencer o oponente. Quando uma torcida vaia um jogador é porque não o julga digno de vestir o uniforme do time. E o que seria o estádio senão o campo de batalha? E a platéia senão os povos que se enfrentam e são afetados diretamente pelos resultados das partidas?

Desde a década de 1990 que o futebol – e os esportes coletivos em geral – vêm sofrendo com a assimilação do dinheiro na engrenagem que mantém a máquina moral funcionando. Salários altos, propostas financeiras tentadoras, campeonatos mais disputados em países europeus; tudo isso faz com que cada vez mais jovens iniciados sejam despachados para o exterior, em busca de algo que a torcida não consegue associar à guerra. Quando há um conflito entre nações, não há espaço para dilemas morais ou de qualquer outra natureza para explicar o porquê deste ou daquele soldado não combater. Todos são voluntários na defesa do bem comum, certo? E no futebol, quando este ou aquele atleta deixa um time por proposta de outro e abandona o uniforme anterior para vestir uma nova farda?

Andrade, o homem da foto inicial, fez isso ao usar o uniforme do maior rival do Flamengo, o Vasco da Gama. Naquele tempo – fim dos anos 80 – ainda havia algo que não permitia duvidar da honra de um jogador. E eles ficavam anos a fio no mesmo time, como se nos dessem a certeza de que eram torcedores e defensores da mesma causa.

O mundo esportivo moderno é regido pelo dinheiro – assim como quase todas as manifestações humanas – e isso, por mais que estejamos acostumados à rotina do esporte, é um elemento estranho ao todo.

De qualquer forma, há vinte e sete anos, eu não sabia de nada disso. Era apenas um pouco hábil jogador de futebol no colégio, porém, um orgulhoso torcedor do meu time e das pessoas que fizeram essa personificação do que ele representa. Andrade, o velho Tromba, camisa 6, foi um dos responsáveis por isso e eu sou grato a ele.

O Celular de Diamante Do Jota Quest

Vejam essa notícia, meus caros e caras:

"Novos tempos no mercado da música. O Jota Quest vai receber um prêmio inusitado essa semana: um "Celular de Diamante", versão do tradicional "disco de diamante", entregue pelas gravadoras quando um álbum atinge determinado número de vendas. Isso porque o aparelho celular Sony Ericsson contendo músicas do álbum "Até Onde Vai" (termo oficial: "conteúdo embarcado") ultrapassou as 500 mil unidades vendidas. Além disso, foi recorde de vendas da Sony Ericsson, que realizou essa parceria com a operadora Vivo e a gravadora SonyBMG. O conteúdo do CD lançado em outubro e ainda disponível nas lojas é: 5 músicas ("Dias Melhores", "Palavras de Um Futuro Bom", "Mais uma Vez", "Até Onde Vai" e "De Volta Ao Planeta" ), 1 videoclipe ("Palavras ao Vivo"), 1 mini documentário (extraído do DVD "Até Onde Vai" ) e 3 wallpapers (capa do DVD + foto da banda + logo da banda)".

O que pensar disso? Antes de mais nada, sinto saudades sinceras do tempo em que o celular era um telefone, apenas isso. Sei que é legal ouvir mp3, ver televisão, jogar, tirar fotos, mandar e-mails, mas acho sempre que o celular deveria apenas servir para funções telefônicas e todo o espectro de demandas que estão ligadas a essa situação.

Por exemplo, é legal ter agenda, opções de toques polifônicos e tecnologias mil para variá-los de vez em quando. Me aflige ver uma banda de rock sendo premiada com o Celular de Diamante, mas conforta-me que seja o Jota Quest a receber essa "honrosa" menção. São os tempos difíceis, dos discos financiados com a Lei Rouanet, dos DVD's ao vivo pagos com dinheiro do Ministério da Cultura, dos conteúdos na internet, dos álbuns lançados (e somente viáveis) sob a chancela de canais de televisão.

Enfim, a indústria musical, em sua faceta mais conservadora e anti-consumidor está representada nessa notícia e mostra o quanto o Brasil não aprendeu com coisas como selos independentes e do it yourself. E, pior, me constrange ver a quantidade de artistas independentes e promissores no país que não têm qualquer chance de aparecer para um usuário de celular. Mesmo que ele tenha optado por comprar seu aparelho sabendo que teria um conteudo especial do Jota Quest. Será que os aparelhos oferecidos gratuitamente pelas operadores como mecanismo de retenção de clientes estão contabilizados nessa estatística? Eu, como cliente da Vivo, já recebi oferta para ter um Sony Ericsson gratuito e não o quis. Caso tivesse aceito, eu integraria esse grupo de 500 mil usuários/ouvintes?

A propósito: já vi aparelhos com conteúdo do Killers, da Amy Winehouse e do Rappa.
No fim dá tudo no mesmo, não?

A Irritação de Nome Próprio


Diga-me, você veria um filme inspirado totalmente na “obra” da blogueira Clarah Averbuck? Pagaria – ainda que fosse meia-entrada – para ver quase duas horas de uma versão pequeno-burguesa e inconseqüente de sociopatia light, travestida de marginalidade e “busca pela liberdade de expressão”?

Eu não. Mas fui mesmo assim, principalmente porque a atriz escolhida para o papel chama-se Leandra Leal, certamente um dos maiores nomes da dramaturgia nacional. A menina vai longe, se tudo der certo.

Quanto ao filme de Murilo “Unibanco” Salles, podemos dizer que ele constitui um curioso exemplo de bom trabalho sobre um tema inócuo, o que, aparentemente, tira muito do brilho da empreitada.

Lá pelo inicio da década de 2000, a Internet começou a ser popularizada e uma de suas revoluções foi o advento dos blogs. Com eles, praticamente todo usuário da Grande Rede passou a contar com o poder de emitir opiniões e tê-las publicadas em diários – os tais weblogs, depois chamados de blogs – cuja leitura estava ao alcance de todos. Daí vem a história de Clarah Averbuck, uma gaúcha que iniciou-se no ofício dos blogs nessa época, mais precisamente em 2001, quando mudou-se para São Paulo e iniciou as postagens do diário virtual "brazileira!preta". Logo depois ela lançaria seu primeiro livro, “Maquina de Pinball”, no qual narra seu cotidiano na cidade grande, sempre sob o ponto de vista pessoal e versando sobre amor, ódio, solidão e frustração.

Mais dois livros vieram, “Das Coisas Esquecidas Atrás Da Estantes” e “Vida de Gato”, consolidando a figura da moça como uma espécie de ícone desse universo virtual. A adaptação de “Pinball” para o teatro por Antonio Abujamra em 2003 abriu caminho para a idéia de trazer um mix das histórias de Clarah para o cinema, levada adiante por Elena Soarez e Melanie Damantas, que escreveram o roteiro para Murilo Salles produzir e dirigir Nome Próprio. Ok. E daí?

O filme tem dois méritos bastante louváveis, além da atuação prodigiosa de Leandra Leal: a estética anti-Globo, cheia de silêncios, escuros, vocabulário nada moderado e cenas de sexo implícito – mais reais que as explicitas – e uma aura politicamente incorreta. E, além disso, um time de atores praticamente desconhecidos do grande público, todos com cara de amadores e iniciantes, conferindo ao filme outra aura, a de filme independente.

Assusta, no entanto, a seriedade com que as narrativas umbiguistas de Clarah Averbuck são tratadas por esse pessoal "das artes". Longe de ser um fenômeno ou uma voz a ser ouvida, a blogueira e sua vida passam por uma análise nada isenta por parte do roteiro e tem seu modus vivendi quase glorificado e legitimado, ainda que isso tudo pareça contundente e cru na tela. A Camila de Leandra Leal vive uma marginalidade falsa, experimenta e procura suplantar limites irreais e clama por uma dúbia liberdade de expressão. Todo o suposto arrojo da personagem – que pode ser confundido com má índole, prostituição e mau-caratismo explícitos – é produto de uma sociedade paralela e extremamente tolerante com os desvios sociais e psicológicos, na qual os jovens experimentam toda sorte de drogas e enchem a cara de bebida alcoólica, não como reflexo de suas vidas miseráveis, mas para glorificar o status “marginal”, algo que é mantido com um código de comportamento e conhecimento superficiais da realidade.

É irritante ver uma jovem mulher escrevendo num computador à base de anfetaminas reclamando do namorado que a pôs para fora do apartamento dele porque ela transou com outro, em vez de vê-la procurando um emprego ou algo assim. A alienação atinge um nível desconfortavelmente grande, afinal de contas, a vida dessas pessoas parece existir e fazer sentido apenas nos sites da Internet. Diante da vida real, toda a maquiagem e esperteza somem num redemoinho de erros.

Enquanto clama por uma liberdade de escrita, exercida através da descrição nada ética de suas aventuras em seu blog, Camila não hesita em trair amigos, namorados, leitores e abusa de todos – e talvez dela também – para satisfazer apenas a si mesma, deixando de lado qualquer possibilidade de coexistência.

A pesquisa de Leandra Leal para o papel deu-se com a própria Clarah, mas talvez o trabalho da atriz e sua dedicação ao filme e ao personagem seja muito mais legítima e verdadeira que as palavras de Averbuck. O charme do filme tem muito de sua razão de existir na tênue fronteira que coloca o sofrimento de Camila/Leandra/Clarah em dúvida o tempo todo e na irritação que tanta alienação travestida de marginalidade pode causar em pessoas que não vêem o mundo sob a ótica de um monitor.

Prepare seu estômago e procure ir acompanhado para poder meter o malho em muitas situações ao longo do filme.


quarta-feira, julho 23

O Disco do Justus Levado a Sério


Amigos, amigos, estou ouvindo o disco de Roberto Justus, Só Entre Nós, lançado recentemente pela Sony/BMG. Fico pensando em como o mundo é um lugar interessante e irônico.

Justus é um empresário bem sucedido do ramo de comunicação que surgiu para a mídia nos anos 90, após casar-se com a apresentadora de TV Adriane Galisteu. Não deu certo. Depois casou-se com outra loura falante da TV, Eliana, aquela que cantava uma música falando sobre os dedinhos. Não deu certo. Hoje ele é o marido da filha da Garota de Ipanema, Ticiane Pinheiro.

Ele também é o CEO do Grupo Newcomm, uma das maiores empresas nacionais no ramo de cases e coisas que versam sobre o assunto comunicação. Imagino que empresas como essa sejam responsáveis pela banalização da comunicação empresarial, pelo anglicanização da publicidade, pela adoção da filosofia de trabalho calcada em palavras e conceitos subjetivos como “empreendedorismo”, “proatividade”, “alavancar negócios”, "target", "budget", enfim, pelo teatro de vaidades que existe nesses lugares.

Bem, sou intencionalmente leigo nesses aspectos e minhas opiniões podem ser motivo para a criação de um case sobre a desinformação, mas, uma coisa lhes garanto, amigos, eu gosto do Justus não por ser bem sucedido, mas por ser um cara que não tem medo de pagar micos. Seu disco é um mico, um King Kong, um elefante branco tão grande que me atraiu a atenção a ponto de merecer um texto, hum, sério sobre os motivos que o levaram a existir. O homem gravou clássicos do cancioneiro mundial com uma baita cara-de-pau. Uma olhada no site da Saraiva e me deparo com o seguinte textinho sobre o Só Entre Nós:

“Em 2007 Justus foi convidado para fazer uma participação no show de um amigo e o que era para ser apenas uma brincadeira acabou se tornando uma coisa séria. Como em todos os seus negócios, Justus colocou todo seu empenho na gravação de seu primeiro CD intitulado “Just Between Us”. Justus produziu uma tiragem limitada de apenas duas mil unidades e o álbum tornou-se objeto de desejo entre seus fãs. Este álbum chega agora pela SONYBMG com seu nome em português Só Entre Nós, mas com o mesmo repertório: os grandes sucessos da musica internacional.”

Sentiram a ironia com o título em inglês quase formando o nome JUSTUS? Just Between Us? Viram o tino comercial mambembe para a coisa? Quase posso ver executivos – como os que ele demite em O Aprendiz – pensando nas possibilidades de nomes e imaginando como agradar o homem. Mas existe muita coisa sobre o disco que o mundo precisa – ou não – saber.


O repertório avilta e joga na lama do mau gosto momentos de Beatles, Louis Armstrong, Rod Stewart, Elvis Presley, Elton John, Frankie Valli, Nat King Cole, Frank Sinatra, Mamas & Papas, em seus sucessos mais manjados, banalizados e pasteurizados, levados a cabo por uma big band de dez pessoas, comandada pelo talento musical de Afonso Nigro, o produtor. Para quem não sabe ou não lembra, Nigro já foi líder do Dominó, famosa boy band brazuca oitentista que grassou na parada de sucesso nacional com canções que escorraçavam a inteligência da nossa juventude. Dizem que Gugu Liberato estava por trás do Dominó, ou vice-versa, enfim, Nigro é o maestro do disco de Justus e executa todas as composições como se fossem uma só.

O modelo a ser seguido é daquelas bandas de baile, nas quais o teclado faz a diferença e dá essa impressão de uniformização do mal. Sem noção de arranjo ou interpretação, Entre Nós flui como um desses eventos de engravatados e emproadas, regado a muita aparência e bebidas espumantes, tudo muito brega e constrangedor.

Veja a inclusão de “Perhaps Love” no repertório. Ela figurou num disco obscuro do cantor country John Denver gravado em 1983, mas foi recolocada no mapa como trilha sonora de um comercial no início dos anos 90. Com a participação do tenor espanhol Plácido Domingo na gravação original, “Perhaps Love” é "interpretada" no disco de Justus por Agnaldo Rayol. A sutileza do dueto de Denver e Domingo é transformada num engalfinhamento estético de Justus com Rayol, certamente pensando apenas na objetividade funcional, ou seja, a voz pop e a voz erudita, apenas isso.

Em “Tonight’s The Night”, de Rod Stewart, nosso amigo Roberto conta com a participação imperdoável (mais uma para a extensa coleção) de Paulo Ricardo. Justus deve ter pensado: essa canção é rock, precisa de alguém totalmente rock para dar veracidade à minha interpretação. Paulo Ricardo também participa da execução sumária de “Your Song”, de Elton John. Dizem ainda que os discos American Songbook, de Rod Stewart, serviram de inspiração para o conceito de Só Entre Nós. É possível.

As primeiras duas mil cópias foram compradas pela Daslu, famosa boutique paulistana para serem dadas como presente para os clientes mais assíduos. O que pensar disso? Você gasta uma fortuna na loja e ganha Justus trucidando clássicos do pop internacional? Anti-marketing? Quem compra na Daslu, conhecida por envolvimentos com sonegação fiscal, talvez mereça mesmo um disco desse quilate.

O mau gosto, senhoras e senhores, chegou a um ponto de não retorno. Os conceitos do que é bom e ruim, cool e brega foram levados a um extremo que permite essas situações. Essa gente que pensa e age como se estivesse em outro país, mostra a total incompetência para manifestar-se de uma maneira artística, quando é necessário.

É engraçado ver Justus na televisão demitindo as pessoas que participam de seu programa, ainda que ele seja uma versão tupi de The Apprentice, show americano que traz Donald Trump como o empresário durão e mauzão. O laquê de Justus é fichinha perto do cabelo aerodinâmico de Trump. Ouvir Justus, entretanto, só como piada. De gosto duvidoso, claro.

Você pode dizer: esse tal de CEL é um cara despeitado, malhando o executivo bem sucedido com essas noções de crítico musical. Então ele não sabe que o Justus não deve ser levado a sério como cantor? Deve ganhar num mês o que Justus ganha em um minuto. Se você pensou isso, não está errado, pelo menos no que diz respeito aos vencimentos. De resto, é preciso que alguém se manifeste com o mínimo de propriedade sobre um evento – ou case – dessa natureza. Um disco do Justus, senhoras e senhores, é a abertura de um buraco negro na música, seja ela pop, rock ou para boi dormir.

Track list:

- What A Wonderful World

- I’ve Got You Under My Skin

- Unforgettable – dueto com Cathy Justus Fischer

- Yesterday

- Perhaps Love – dueto com Agnaldo Rayol

- Can’t Take My Eyes Off Of You

- Always On My Mind

- Your Song – dueto com Paulo Ricardo

- Tonight’s The Night – dueto com Paulo Ricardo

- Something

- My Way

- California Dreamin’


domingo, julho 20

Nós Somos O Coringa


O universo das HQ’s tem uma regra de ouro não revelada: o vilão é sempre mais interessante que o herói. Motivos não faltam para isso, talvez o mais evidente seja a capacidade do vilão revelar o lado mais podre e asqueroso do ser humano, seja através daqueles pensamentos e atitudes que chutam as noções de correção para escanteio ou, simplesmente, pelo uso indiscriminado da maldade. Por alguns momentos – porque o herói sempre vence no final – o vilão domina a história usando (perdão pela redundância) toda a sua vilania e todos nós soltamos contidos risos atávicos de satisfação, que deveriam ter ficado em alguma encruzilhada da nossa evolução.

O que me motiva a adentrar esse assunto é, claro, o novo Batman, que acabei de ver no cinema. Mais que isso: o que me assustou no longa de Christopher Nolan foi a capacidade de transcender o âmbito cinematográfico e, por conseguinte, deixar de lado toda a pirotecnia tão comum aos filmes de ação, para penetrar nos subterrâneos que sustentam a história do Batman. Entenda: a pirotecnia está toda lá, em efeitos especiais de tirar o fôlego, mas eles são secundários aqui. Aliás, adianto que qualquer análise desse espetáculo sob a ótica restritiva de tópicos como roteiro, direção e mesmo capacidade dramática dos atores será sempre insuficiente. Batman – The Dark Knight não é apenas cinema. Nolan conseguiu, provavelmente inspirado pelo roteiro que ele mesmo escreveu e pela total compreensão das noções básicas do dilema do herói x vilão, encerrar discussões sobre o assunto e escancarar a sutileza dos traços dos quadrinhos num debate terrível sobre a mente humana. Exagero? Não, não mesmo.

Filmes de heróis foram péssimos ou maravilhosos. X-Men, Homem-Aranha, Homem de Ferro, Hulk, Hellboy, Quarteto Fantástico, Superman, até mesmo filmes sérios e metafóricos como Corpo Fechado (Unbreakable – 2000), dirigido por M. Night Shyamalan. Os outros episódios cinematográficos do próprio Homem-Morcego foram desastrosos, aqueles dirigidos por Joel Schumacher e Tim Burton, uma sucessão de equívocos e visões moderninhas com transgressão estética confundida com mau gosto. Exceto pelo anterior, Batman Begins, também dirigido e escrito por Nolan, trazendo o surpreendente Christian Bale no papel do milionário Bruce Wayne, o velho morcegão caminhava para uma injusta carreira na tela grande.

Pois bem, temos então Batman – O Cavaleiro das Trevas. A história traz nosso herói mascarado às voltas com seu maior inimigo, o Coringa. É dele que quero falar e não tem nada a ver com a atuação de Heath Ledger. Antes, porém, é preciso dizer que Ledger teve seu maior momento no cinema na pele do terrível criminoso desfigurado. Nenhum papel vivido pelo jovem ator australiano – precocemente morto no inicio desse ano – foi tão arrebatador quanto esse. Dizem os rumores que a overdose de tranqüilizantes que o matou num quarto de hotel foi uma conseqüência da atuação e pesquisa de Ledger para encarnar o Coringa. O próprio ator disse em entrevistas que usou várias fontes de inspiração para encarnar o maior rival do Batman, inclusive as performances de John Lydon à frente dos Sex Pistols e do P.I.L.

O que precisa ser dito é que a alquimia dos quadrinhos criados por Bob Kane e Bill Finger para a DC Comics, a visão de Nolan ao dirigir o filme e escrever o roteiro e, sim, a atuação de Ledger, proporcionaram um painel terrível das mais escuras facetas humanas.

O Coringa nunca foi um bandido comum. Ele nunca cometeu seus crimes visando lucro ou algo no gênero. Sua maldade é ilimitada, sua visão da humanidade é a mesma que um cientista tem de suas cobaias, e ele se vale de uma isenção – proporcionada por sua condição mental, digamos, alterada – para brincar de machucar quem ele quiser. Há quem diga que o Coringa não é um mero louco, mas alguém terrivelmente são, a ponto de desenvolver um estado de percepção, digamos, superior ao resto das pessoas.

Ao longo do filme ele manipula pessoas, fatos, se vale da influência e do medo que gera nos criminosos comuns e vislumbra com exatidão o alvo que precisa ser atacado. Ele é um agente do caos – como o personagem se define em certo momento – e não pretende parar. Na verdade, o Coringa propicia reflexão sobre a própria natureza do herói e a coloca em xeque, a partir do momento que as regras morais que são seguidas por Batman – e não por ele, Coringa – são os verdadeiros mecanismos que engessam a sociedade.

Em miúdos: o Batman precisa do Coringa e vice-versa. Por isso a idéia maior não é destruir o herói mascarado, mas atacar os valores e erodir lentamente a sociedade que ele defende. Levar o caos aonde existe ordem. Batman, por sua vez, não se dá conta de que precisa de gente como o Coringa para existir. Enquanto criminosos comuns são perseguidos e presos em Gotham City – uma metáfora sinistra da sociedade americana do século XXI criada pelos governos Bush – pela ação da Justiça (personificada pelo promotor Harvey Dent – vivido por Aaron Eckhart), o Batman assume uma condição secundária no cenário, apenas ajudando a polícia e talvez combatendo o crime de uma maneira mais rápida e eficiente. Aliás, convém lembrar da atuação de Gary Oldman no papel do Comissário Gordon. Ele é o homem comum no olho do furacão. Entre bandidos, corrupção e reviravoltas mil, Gordon é o policial que ainda acredita em valores, que vai pra rua prender os ladrões e tenta voltar pra casa toda noite. Oldman – que viveu um policial viciado em drogas em O Profissional, de Luc Bresson – está soberbo, assim como Morgan Freeman, Michael Caine, o elenco de apoio é um desfile no tapete vermelho de Hollywood.

Quando entram em cena a corrupção e a falta de ética, Batman, Gordon e Dent se vêem incapazes em lidar com a situação, pois eles mesmos são vítimas em potencial da mesma inversão de valores que tentam combater. Batman/Bruce Wayne se vê às voltas com o sacrifício de sua vida normal para combater o crime e Dent tem sua vida modificada para sempre por não se corromper. A partir disso, surge outro inimigo do tradicional do Batman, o Duas Caras. Por trás disso tudo, se valendo de uma inteligência privilegiada, o Coringa manipula a todos como marionetes.

Em poucos filmes de heróis se viu um desnudamento tão grande da psique humana. Talvez em alguns momentos da saga X-Men, pela própria dualidade entre mocinhos e bandidos proposta pela trama de Stan Lee, tenha sido tão “normal” ser mau e tão “chato” ser bom. Em Batman, talvez tristemente, ser “mau” é praticamente ser humano e isso é assustador. Não se engane com toda a linguagem corporal exagerada e genial do Coringa de Ledger. Está tudo ali.

Batman – The Dark Knight é um passeio audacioso no lado escuro da alma e extrapola o âmbito dos filmes de heróis coloridos e justos.


sexta-feira, julho 11

WALL-E - Nasce Um Clássico


WALL-E, o novo filme da Disney/Pixar é um clássico. Supera facilmente outras realizações como Procurando Nemo ou Carros e periga destronar os quase insuperáveis Monstros S.A e Os Incríveis.

A sigla, que significa Waste Allocation Load Lifters – Earth Class (algo como “lixeiro classe Terra”) é o indicativo do que será visto na tela. O planeta foi abandonado, transformou-se num imenso vazadouro de lixo, após séculos de maus usos pela Humanidade. Nesse cenário surge WALL-E, o último de sua série, ainda vagando por uma paisagem especialmente desolada, pontuada por pilhas enormes de lixo, que ele mesmo constrói sistematicamente. Sua única companheira é uma pequena barata, que vive feliz em meio ao lixão global.

Sua rotina de sete séculos de coleta de lixo acabou por danificar algum circuito cognitivo, o que conferiu ao pequeno robô um “defeito” peculiar: personalidade. WALL-E desenvolveu carinho pelos objetos que coleta e, por conseqüência, pela humanidade. Ele vê trechos do mesmo filme toda noite (“Bonequinha de Luxo”, que empresta sua canção “Put On Your Sunday Clothes” para a abertura do longa) e sonha com um mundo diferente. Podemos dizer que WALL-E sente saudades de um mundo que ele não conhece completamente, algo que o faz sentir-se pequeno.

Um belo dia a senha para essa mudança aparece na forma de uma visitante inesperada. EVE, uma sonda-robô desembarca nas vizinhanças e começa a vasculhar o cenário, em busca de algo. O encantamento é imediato e WALL-E não mede esforços para permanecer próximo de EVE, mesmo depois que alguns fatos acontecem.

As referências existenciais no filme são um prato cheio para a elaboração de teorias mil sobre o que vemos na tela. As metáforas são muitas e preciosas. A preocupação com a ecologia é o pano de fundo para toda a ação. É curioso que o filme mostre máquinas como guardiãs de aspectos diferentes da vida humana, seja a busca por melhorias como a determinação de manter tudo em seu lugar, confrontando as opiniões quase o tempo todo.

A solidão de WALL-E é sentida facilmente ao longo do filme. É uma condição que não foi fruto de escolha, mas mostra o quanto é possível permanecer em uma realidade opressora que permita sonhos e aspirações, que vêm, ironicamente, em forma de “defeito”. Há referências na cultura pop sobre como esses enfoques diametralmente opostos sobre a presença de máquinas no cotidiano do ser humano, definindo e transformando o mundo que ele habita. Dou três exemplos:

Donald Fagen, integrante do duo Steely Dan, lançou seu primeiro disco solo em 1981, The Nightingale, um trabalho praticamente conceitual sobre as visões de futuro que o mundo experimentava na época. Era um fato a ser consumado que as máquinas poderiam resolver todos os problemas do ser humano, facilitando sua vida a tal ponto que ele teria tempo de sobra para ser mais feliz.


A Trilogia Matrix (especialmente o primeiro filme) traça um painel assustador de um mundo que foi dominado pelas máquinas, não as simpáticas criações que Donald Fagen pensou, mas seres conscientes e especialmente cruéis com o homem.

Em 1971 Marvin Gaye lançava seu disco chave, What’s Going On. Foi a obra-prima definitiva da carreira do cantor, constituindo um feixe de canções cheias de questionamentos sobre o mundo, a sociedade e o futuro, sob uma perspectiva que oscilava entre o realismo e o pessimismo. Em “Mercy Mercy Me”, Marvin Gaye fala de oceanos poluídos, rios cheio de mercúrio, superpopulação e uma série de conseqüências que os maus tratos ao planeta podem trazer.

Voltando. O filme da Pixar condensa diferentes visões da mesma moeda, azul e branca, cada vez mais suja e mal administrada, não poupando o ser humano da redução ao papel mais humilhante já visto num desenho animado. Detalhes tão pequenos como o uso inteligente do silêncio e uma bela canção inédita de Peter Gabriel (“Down To Earth”) na trilha fazem de WALL-E uma pequena revolução na linguagem do desenho animado. Mais que uma obra de animação, o diretor Andrew Stanton (que dirigiu Procurando Nemo) obteve um belíssimo filme, capaz de disputar prêmios com histórias cheias de personagens de carne e osso. WALL-E pode ser mais humano que quase tudo lançado em 2008.

Antes que eu me esqueça: é preciso avisar às platéias de filmes como WALL-E que nem todo longa-metragem de animação é, necessáriamente, engraçado e feito para provocar risos do espectador.

O Que Steve Jobs Tem A Ver Com Isso?

A cada nova história contada pela visão impressionante da Pixar, os conceitos de animação precisam ser revistos ou, no mínimo, ampliados, tamanha é a grandeza do espetáculo colocado nas telas.

A evolução desde Toy Story (1995) é notável e merece um pouco de história. A existência da Pixar inicia-se em meados dos anos 80, como uma subsidiária da Lucasfilm. Em 1986, Steve Jobs (sim, ele mesmo, o dono da Apple) comprou a empresa e a tornou independente, o que facilitou a aproximação com os Estúdios Disney. A realização de Toy Story marcou o inicio da colaboração entre as duas partes, o que traria uma seqüência de lucros e prêmios cada vez mais expressivos, chegando a totalizar treze Oscars e três Globos de Ouro, entre outros menos importantes, além de uma interessante quantia estimada de dois bilhões e meio de dólares de bilheteria.

A realização de Carros (2006) seria o último da parceira entre as duas empresas, devido a desentendimentos freqüentes entre Jobs e o presidente da Disney, Michael Eisner, algo que resultou na compra da Pixar pela impressionante soma de sete bilhões e meio de dólares, o que transformou Steve Jobs no maior acionista da empresa.

Por coincidência, WALL-E é cheio de referências estéticas à Apple, desde o I-Pod que o robô utiliza para ver seu filme preferido, passando pelo design de todos os outros personagens cibernéticos que aparecem no filme, principalmente EVE, que parece um periférico futurista criado pela companhia de Jobs. Deve ser legal ser dono de algo como a Pixar.

segunda-feira, junho 30

That Summer Feeling


Estou no inferno.
Calma, não é do subterrâneo flamejante que estou falando. Me refiro ao período que antecede ao aniversário, o que as pessoas entendidas em astrologia (não é o meu caso, note bem) chamam de Inferno Astral.

Está lá, no Google: “Inferno Astral é o período de 30 dias que antecede a data de seu aniversário. Nessa época, a cada ano, você fica mais sensível e precisa se dar a si mesmo(a) mais atenção. Durante essa fase, recomenda-se fazer um balanço de sua vida e quando se deparar com problemas, esforce-se por resolvê-los.”

Bem, eu acredito nisso. Não sou aquele sujeito que lê seção de horóscopo nos jornais e revistas mas acho que estamos sujeitos a influências diversas por aqui e penso que Deus tem um plano para todos nós. Enfim, o que importa é o significado do tal “inferno astral”, que se reflete em uma profunda auto-analise sobre tudo.

Mais ou menos como o post sobre o novo disco do Weezer, me sinto fazendo constantes inventários sobre minha vida e meus atos. Ou a falta deles quando concluo que eram necessários. Às vezes esses balanços são menos felizes que outros mas, por piores que eles sejam, os fatos e pessoas vêm à minha mente sob a forma de música feliz, quase sempre da década de 1990. Apesar de lembrar até de coisas como o primeiro disco do Spin Doctors (e achá-lo bastante legal até hoje), minha trilha sonora aparece na forma de canções powerpop, que trazem em seu conceito, um link automático para os anos 70. Ou seja, é uma porrada dupla de nostalgia, uma lembrança da inspiração, causada pela...Lembrança.

Entenda: se eu batizo o post com essa expressão “that summer feeling”, não estou escolhendo algo bonitinho, mas sendo quase abduzido pelo poder melódico do Teenage Fanclub de 1995, que nos deu “Sparky’s Dream”, uma das favoritas de Inferno Astral, contida em seu disco Grand Prix.

Lembro de comprar a minha cópia desse álbum na antiga Spider, uma loja no segundo andar de uma galeria em Ipanema. Era um cubículo, mas o dono se mantinha sempre antenado com os sons que davam as cartas no exterior. Grande parte da minha coleção de britpop foi adquirida na Spider, além do revelador primeiro disco do Ben Folds Five, hit instantâneo entre os estudantes de Comunicação Social da Uerj em 1995.

Bem, a lembrança da década de 1990 (e dos anos 70, por tabela) não é casual, pelo contrário, aparece perfeitamente explicável para mim. Naquele tempo – putz, já vão uns quinze anos disso tudo – eu era um cara pronto para novos desafios, conhecendo gente jovem reunida, tentando não ser como meus pais e colecionando bons momentos. Estava mais magro, com mais cabelo, namorava uma das meninas mais lindas desse mundo, finalmente adentrava os domínios da Modern Sound com meus caraminguás e saía da poderosa loja de Copacabana com alguns discos.



Naquele tempo haviam três lojas de disco, lado a lado. A Billboard, a Gramophone e a Modern Sound, que sempre foi maior e mais sortida que as outras, porém, fraca em promoções e ofertas. A Gramophone, em cujos domínios encontrei um nervosíssimo Renato Russo, circa 1992, comprando discos de Cat Stevens e Joni Mitchell, era mais camarada com os preços e trazia um monte de lançamentos importados. A Billboard era a terceira em preferência, mas era legal. Com o tempo as duas lojas menores faliram e foram englobadas pela Modern Sound, assim como o antigo cinema Star Copacabana. Ou seja, os prédios foram exorcizados de seus espíritos originais e se contentaram em ser partes de um todo que antecipava o monopólio de venda de discos.

Aliás, me aflige pensar que minhas lembranças passam por algo que está tão démodé como o CD (rima não voluntária, claro). Sempre que penso em anos como 1992/93/94/95 o faço em forma de discos. Lembro deles, dos encartes, de chegar em casa e colocar no carrossel Sony de cinco discos e sugar as letras e perceber o quanto as conexões se estabeleciam com a minha vida.

Não me espanta, portanto, que eu esteja ouvindo bandas como Fountains Of Wayne, Teenage Fanclub e uma espécie de pai deles, o Raspeberries. Nesse balaio powerpop a justiça nunca se fez completamente. Sempre que falamos de formações desse estilo, seja nos anos 70 ou nos anos 90, pensamos em bandas subestimadas ou desconhecidas da maioria. Talvez seja simples pensar nos motivos disso.

Músicas “de verão”, com melodias beatle, guitarras desviadas do hard rock e cobertas de açúcar, além de vocais simpáticos cantando letras sobre amores impossíveis do high school nem sempre estiveram na moda, algo que não se aplica à minha pessoa, principalmente em inferno astral.

As lembranças de lugares como a Tijuca, Méier, Grajaú (bairros da Zona Norte do Rio), dos prédios da Uerj; de pessoas que nunca mais vi, de filmes como “O Balconista”, que se conectam com “Curtindo A Vida Adoidado” (assistido nas escadas do Cinema Leblon, numa tarde sold out após o colégio) e “A Nova Transa da Pantera Cor-de-Rosa” (filme de 1977 com o soberbo Peter Sellers, que eu via nas Sessões de Gala das noites), tudo isso é um looping de “summer feelings” na minha mente. Some a isso a crise da meia-idade chegando e você ter uma idéia do que passa por aqui.


Só mais um detalhe: o verão, essa estação do ano que parece tão presente em nosso Tropico de Capricórnio é algo raro no Hemisfério Norte. Lá, no lugar em que os compositores, artistas e personagens balizadores dos meus inventários nasceram, o sol é aguardado como quem espera quebrar correntes de jugo perpetuo para ser livre. No sentido mais amplo. O povo fica feliz, a neve derrete, o mundo é mais azul e faz todo o sentido cantar as músicas de verão. Assim como se faz necessário cantar as contrapartes de inverno, quando o mundo fica cinza.

No meu inferno astral, encerrando-se em dez dias, porém, o clima é de verão musical pleno e perpétuo, mesmo que a saudade seja um estranho tempero nesse milkshake de Ovomaltine, tomado no Bob’s da rua Domingos Ferreira, em Copacabana, ao lado do meu avô...

PS: Quem quiser dar uma olhada nos temas do inferno astral, precisa ouvir:

- Teenage Fanclub – Grand Prix (1995)
- Fountains Of Wayne – Fountains Of Wayne, Utopia Parkway (1996/1998)
- Raspberries – Live At Sunset Strip (2007)
- Ben Folds Five – Ben Folds Five (1995)
- Lemonheads – It’s A Shame About Ray (1993)
- Dinosaur Jr – Where You’ve Been (1992)
- Weezer – The Blue Album, Pinkerton (1994/1996)
- Neil Young – Harvest Moon (1992)
- Nirvana – Nevermind (1991)
- Pearl Jam – Ten/Vs (1991/93)

PPS: alguns clipes abaixo para "ilustrar" o post. Temos "Denise", com o Fountains Of Wayne, do disco Utopia Parkway (1998). A banda de Nova Jersey, liderada por Adam Schlesinger, atingia o topo das paradas pela primeira vez. Detalhe para a presença da atriz Jolene Blalock (que participaria da série Enterprise (da franquia Star Trek), no papel da subcomandante vulcana T'Pol. Depois vemos Ben Folds Five cantando "Philosophy" ao vivo, no programa de Jools Holland. E fechamos com "Sparky's Dream", do Teenage Fanclub.


sábado, junho 28

O Fim dos Tempos (e da paciência)...


M Night Shyamalan apareceu para o mundo em 1999, principalmente por seu segundo filme, O Sexto Sentido. Seu primeiro trabalho, O Pequeno Stuart Little, apesar de bem sucedido e ter gerado uma seqüência, não colocou o cineasta americano, descendente de indianos no mapa das celebridades. Pelo menos, não da forma como passamos a associar seu nome a filmes misteriosos e com uma grande revelação no final.

A filmografia de Shyalaman passa essencialmente por alguns elementos que se repetem nesse seu novo longa, O Fim Dos Tempos (The Happening). O suspense está lá. As suposições e conclusões tiradas ao longo da história também. Personagens atormentados e introspectivos, quase anti-heróis continuam povoando as narrativas. Até o próprio diretor, aparecendo numa ponta, quase despercebido, tudo está presente em The Happening.

O grande problema deste e de outros filmes do diretor, espacialmente Sinais e Dama Na Água, é que a história contada beira o ridículo, o nonsense, resvalando para um filme-B não intencional, quase constrangedor.

Aqui temos Mark Wahlberg no papel de um professor de Ciências numa escola secundaria da Filadélfia. Ele tem problemas no casamento e uma vida sem muitas novidades até que se vê sorvido por um redemoinho de fatos inexplicáveis que começam a assolar a região nordeste dos Estados Unidos, de Boston até sua cidade. Rumores de ataques terroristas chegam em noticias confusas e logo as pessoas estão fugindo, sem saber realmente o que estão fazendo.

Ao longo do caminho, Wahlberg, sua esposa Alma (vivida pela interessante Zooey Deschanel), o colega Julian (um professor de Matemática, vivido pelo correto John Leguizamo) e a filha deste, Jess (Ashlyn Sanchez) vão notando que quase nada pode deter os acontecimentos e que só lhes resta esperar, resignados pelo destino.

A idéia de Shyalaman tem méritos mas eles estão longe de fazer valer a visita à sala escura. A trama se explica de maneira patética e parece jogada na cara do espectador como uma torta. As cenas de tensão – uma marca registrada do cineasta – estão frouxas e resvalam para a auto-caricatura não intencional e comprometem qualquer possibilidade de se levar The Happening a sério.

Mesmo a badalada teoria de que o ser humano está infligindo danos tão graves ao planeta que pode ser repelido como se fosse um vírus num organismo doente, soa como um mero recurso mal utilizado. É criado um clima de tensão ao longo do filme que acaba de maneira anti-climática e tola, confundindo valores, situações e mesmo conceitos como “instinto de sobrevivência” numa salada pseudo-ecológica de feira de ciências. Passe longe e aproveite para rever o que Shyalaman já foi capaz de fazer, extraindo belas atuações de Bruce Willis (um canastrão assumindo) em O Sexto Sentido e em seu melhor – e mais subestimado filme – Unbreakable, pobremente traduzido para o português como “Corpo Fechado”.


sexta-feira, junho 27

MGMT E A Psicodelia Fofa


A vitrolinha virtual já executa "Future Reflections", a última faixa do álbum de estréia do MGMT e a sensação não vai embora: é Flaming Lips? É Plyphonic Spree? É Grandaddy? É Banana Split? É Shazam, Xerife & Cia?

As informações negam as aparências e insistem em dizer que não. MGMT é a abreviatura de "management" (gerência, em inglês) e reafirmam os dados do primeiro parágrafo, logo acima. Os "gerentes" são Ben Goldwasser e Andrew VanWyngarden, ex-estudantes da Wesleyan University, Connecticut.

Os ouvidos, porém, não se convencem. Esse é um problema recorrente para quem lida com música pop nesses dias tão estranhos. As referências, as influências, o pedigree de uma banda ou artista não são mais assimilados e absorvidos. Eles simplesmente são regurgitados com o mínimo de vontade em fazer novas coisas ou dar uma cara diferente às velhas coisas.

O resultado é um padrão de "novos" discos como esse do MGMT, chamado Oracular Spetacular. A presença do produtor do Flaming Lips e do Mercury Rev, David Friedmann, no cockpit do estúdio é um indicador forte das desconfianças surgidas: é um disco psicodélico, oras! Vamos dar uma olhada no que isso pode significar.

O que bandas como Mercury Rev, Flaming Lips, Echo And The Bunnymen, The Church e MGMT têm em comum? A abordagem de alguma faceta psicodélica em seus trabalhos, variando de forma e conteúdo, mas nunca abandonando a estética que se reinstalou a partir dos anos 80 no pop. Se antes o tal som lisérgico era sinônimo de maluquices e expansão da mente, os anos 80 conferiram ao gênero um amor especial pelo lado negro da psicodelia, aquela que levou bandas como Velvet Underground a construir seu cânone nos anos 60 e que enveredou pelas vielas sujas da grande metrópole mitológica que habita as mentes de todos.

Já na Califórnia sessentista a lisergia aparecia em forma de bandas de folk rock doidão, lideradas por Byrds, Love e Grateful Dead, misturando a tradição country americana com um cenário colorido e libertário, norteado pela abertura das tais portas da percepção. Fora da América, na velha Grã-Bretanha, toda a moda e a efervescência cultural formaram o invólucro para o som de bandas como Pink Floyd e as nascentes formações progressivas.

Se essas três vertentes principais eram bastante diferentes quando surgiram, tornaram-se influências unificadas a partir dos anos 80 em seu retorno à ordem do dia. A partir daí as bandas citadas no deram a luz a variações próprias do tal rock doidão e lhe conferiram modernidade em boa dose, livrando-o do incômodo anacronismo em relação aos "dias atuais".

A raiz do som praticado pelo MGMT está nos anos 90, precisamente em bandas americanas que evoluíram do cenário alternativo genérico para levar a tal psicodelia mais a sério. Aliás, a maneira encontrada por Mercury Rev, Grandaddy e Flaming Lips, todos americanos e ex-alternativos "de ofício" foi justamente a adição de elementos visuais coloridos e enlouquecidos, como se eles fossem necessários para justificar sua opção. Essa conotação "fofa" dava um clima borbulhante ao cenário e ajudou a produzir estranhas e amalucadas obras musicais.

Os Flaming Lips, por exemplo, lançaram um disco chamado Zaireeka, cuja audição só era possível se seus quatro (!!) CDs fossem tocados ao mesmo tempo em quatro aparelhos diferentes. Os sons, interligados, dariam o resultado final ideal. Depois, um pouco menos ambiciosos, os Lips, sob o comando do maluco Wayne Coyne, deram início a uma seqüência grandiosa de discos, The Soft Bulletin (1999) e Yoshimi Battles The Pink Robots (2003) e At War With Mystics (2006).

Entre esses álbuns, a banda tocou em festivais ao redor do mundo (incluindo o Brasil em sua rota em 2005) e para uma platéia de carros (!!!) num estacionamento em Los Angeles. O Mercury Rev, por sua vez, iniciou suas atividades em 1991, mas conheceu o sucesso sete anos depois, com o lançamento de Deserter Songs, marcado por uma sonoridade que partia do Pink Floyd setentista e flertava com country, lo-fi e folk.

O que isso tem a ver com o MGMT? Tudo. Não dá pra falar no disco deles sem mencionar que ele é uma regurgitação da regurgitação da psicodelia fofa noventista. Nem por isso, entretanto, deixa de ser legal. O som que Friedmann obtém em Oracular Spetacular é cheio de efeitos, cheio de espaço, pontuado por baterias eloqüentes e teclados infantis (que atingem momentos sublimes no hit "Time To Pretend").

As vozes de Ben Goldwasser e Andrew VanWyngarden estão devidamente saturadas de ecos e tudo parece ir bem. "Weekend Wars" é legal. A já mencionada "Time To Pretend" gruda como um chiclete nas mentes mais fracas, "4th Dimensional Transition" se entrega pelo título, assim como "Of Moons, Birds & Monsters". O que mais podemos querer?

Simples. Um som, uma centelha, um traço de personalidade. O som do MGMT é um belo acompanhamento para um slideshow de imagens coloridas em seu notebook. Nada mais. Infelizmente.

OBS: o vídeo abaixo mostra a dupla tocando "Time To Pretend" ao vivo, no programa do David Letterman. Veja a citação que eles fazem ao final da música. Óbvia, mas legal.



quarta-feira, junho 25

Ana, Joss E A Quitanda das Vaidades

Ontem eu zapeava pelos canais fechados e me espantava com a pobreza da programação que a maioria do povo tem à disposição em suas televisões. O humor com validade vencida do Casseta & Planeta Urgente, o filme reprisado do SBT, a inacreditável novela mutante da Record e, bem, o Superpop da Rede TV, com Luciana Gimenez à frente. Passei pelo programa na hora em que o funk carioca rolava solto, com um agrupamento de seres lamentáveis tomando o palco, “cantando” e dançando as “músicas”. O indefectível MC Creu e suas dançarinas – Mulher Jaca e Mulher Moranguinho – ,o MC Frank e sua dançarina – a Mulher Melão – o grupo Malhafunk e a sobrinha de Gretchen, Caroline Miranda, ao lado do MC Lips. Sim, meus senhores e senhoras, eu anotei esses nomes, claro. Não me estranha, entretanto, o conceito hortifrutigranjeiro que se assenhorou das novas musas da mídia classe B/C. A tal Mulher Melancia, ex-dançarina do MC Creu, já está no seu décimo-segundo minuto de fama (em tese só faltam três minutos para que ela suma de vez) completa o balcão da quitanda das vaidades. Melancia, melão, moranguinho, jaca e, numa expansão de mercado, há também uma certa Mulher Filé, cujas informações maiores são desconhecidas. A tal sobrinha de Gretchen, que jura ser virgem aos 18 anos de idade e desenvolvendo uma versão “funk” das coreografias eternizadas por sua tia nos anos 80, é a mais interessante da quitanda. Mas não pode abrir a boca ou pensar (sic). A tal “canção” que ela “interpreta” ao lado do tal MC Lips é “Meu Selinho”, vem com uma letra sacana de duplo sentido, fazendo analogia entre o “selinho” que é beijo e que é o preferido da “moça” e aquele que denota a virgindade propalada por ela, este, o preferido de MC Lips, que, apesar da disposição em conquistar a rebolativa morena, não me pareceu muito chegado.

Triste, nada menos que isso.

A certeza de que essa escrotização da beleza feminina é algo setorial e (esperamos) passageiro fica maior quando me deparo, umas doze horas depois, com as presenças de Joss Stone e Ana Ivanovic na programação aberta, proporcionada pela Sky.

Me pergunto se a maioria das pessoas que é fã da quitanda das vaidades tem noção da existência da bela tenista sérvia, número 1 do ranking mundial ou da cantora pop inglesa, que esteve recentemente no país. Concluo que não. Ivanovic – que suou o vestidinho branco para vencer a francesa Nathalie Dechy hoje, pela terceira rodada do Torneio de Wimbledon – é uma pequena princesa balcânica. “Pequena” talvez não seja o termo exato, pois a sérvia, de 21 anos, possui interessantes 1,85m de altura e exibe um biotipo moreno irresistivelmente belo, além de parecer uma menina comum. Claro, Ivanovic já faturou cerca de cinco milhões de dólares desde que começou a carreira, o que a destaca das “meninas comuns” que vemos por aí. Ela é mais interessante – aos olhos desse que vos escreve, pelo menos – que a russa Maria Sharapova, mas isso já é outra discussão. Joss Stone também tem beleza espantosa, simpatia cativante (comprovada in loco no show que ela deu no Vivo Rio) e alguns milhões na conta bancária, tendo em vista as vendagens de seus três discos, The Soul Sessions; Mind, Body & Soul e Introducing Joss Stone, lançados entre 2003 e 2007. Joss apareceu para o mundo com 16 anos e hoje, com a mesma idade de Ana Ivanovic, é uma jovem pra lá de bem sucedida. E o que elas têm a ver com os padrões de beleza da televisão brasileira? Nada, aparentemente, né?

A relação é clara, mesmo que não pareça. Qual a diferença dos modelos de inspiração para a juventude planetária? As meninas da Quitanda das Vaidades e a dupla Ivanovic-Stone? Quem é mais interessante para as jovens? Mesmo que todas elas – mais e menos vulgares – atraiam o público masculino por diferentes motivos e mesmo fim, todas elas atraem o publico feminino pela mesma razão. São exemplos de vitórias pessoais que se tornaram publicas e são marteladas pela mídia em seus diferentes canais. Muitas meninas brasileiras da classe média podem achar que rebolar num programa de televisão, posar para revistas masculinas e faturar um milhão de reais num Big Brother Brasil é o máximo em termos de objetivo para toda uma vida. É uma carreira que acaba tão cedo como, por exemplo, a carreira de Ivanovic, lá pelos trinta anos de idade. E as meninas do Primeiro Mundo? Também devem achar o mesmo, oras. O ser humano é igual em todo o planeta, pelo menos em essência e convicções. A certeza que ficou dessa pequena ponderação sobre mulheres é que nós – os homens – estabelecemos o padrão de beleza variável de acordo com várias circunstâncias e fatores. Os que desejam um contato mais objetivo com a mulherada devem preferir a mesma objetividade que as mulheres-fruta apresentam em suas aparições. Os que ainda pensam em etapas intermediárias podem preferir Ivanovic ou Stone, principalmente pelo fato delas serem virtualmente impossíveis e as fantasias mais legais são aquelas que permanecem assim por um bom tempo, talvez pra sempre. Quem não gostaria de jantar com Ana Ivanovic e vê-la se interessando por fatos corriqueiros do cotidiano ou descobrindo afinidades de gosto? Ou quem acharia dispensável levar Joss Stone ao cinema para assisitir um desses filmes de mulherzinha e vê-la se emocionar com uma cena qualquer? Garanto que um número enorme de sujeitos mundo afora adoraria fazer esses programas com as moçoilas. Assim como há uma multidão igualmente maior que preferia uma bela salada de frutas bem rápida, sem tempo para pensar qual fruta foi servida. Há gosto, tempo, vontade e disposição pra tudo.

Agora, cá entre nós: fica difícil convencer a esposa de que esse texto tem pretensões puramente sociológicas, não é? Talvez a presença de gente como Brad Pitt, George Clooney e até um certo Tom Wilkinson no imaginário feminino nos dê a chance desses passeios no mundo da fantasia. Do contrário, estaríamos perdidos e mal pagos. Não acha?






domingo, junho 22

Weezer Vermelho




Rivers Cuomo, cantor, guitarrista e cérebro do Weezer completou 38 primaveras no último dia 13 de junho e está, certamente, vivenciando sua crise da meia-idade. Como eu sei? Faço meus 38 anos no dia 10 de julho, ou seja, pouco menos de um mês após o líder da banda californiana.
A crise da meia-idade é algo que não dá pra ser simulado, fingido ou banalizado. É uma sensação autêntica e só perceptível para quem a experimenta e faz colocar em dúvida quase tudo que se aprendeu até o último dia do ano 37 acabar. Ou do ano 39, 40, aliás, essa é outra característica dessa fase estranha, ela não tem uma hora exata para acontecer. Quando percebemos, simplesmente estamos nela e, de certa forma, não queremos sair..

O ser humano que está na meia-idade questiona as coisas exatamente como um adolescente, só que com a (des) vantagem de se achar mais versado em assuntos diversos, o que só torna o sentimento mais difícil de ser digerido e assimilado. Perguntas do quilate de “como eu cheguei até aqui?”, “por que eu não escolhi outra carreira?” ou ainda “quem é essa pessoa no espelho me olhando enquanto eu faço minha barba?”. Sim, não nos reconhecemos mais em muitas das situações que nos definem sutilmente ao longo do dia, das maneiras mais cotidianas e naturais, sem que isso pareça totalmente errado. Parece que necessitamos dessa crise, como se ela fosse nos reafirmar para nós mesmos. Essa conversa mole e fiada é uma maneira de introduzir o verdadeiro objeto desse texto: o novo disco do Weezer.

Eles são, por definição, um bando de nerds integrando um grupo de rock, mesmo que a figura de Cuomo se destaque da maioria e o coloque como, talvez, o único nerd presente na banda. O novo trabalho deles, homônimo e já apelidado pelos fãs de “Red Album” é mais um daqueles discos coloridos que o conjunto lança a cada sete anos, talvez para mostrar a novas gerações o que eles pensam e são. Ou não, talvez não seja nada disso. O ponto é que os discos homônimos de 1994 (Blue Album) e 2001 (Green Album) serviram para mostrar/lembrar o fã de música pop de alguns preceitos interessantes e que valem muito.

Vejamos o Blue Album, disco de estréia do Weezer. Em 1994, após dois anos de garagem e shows amadores em buracos da cena alternativa de Los Angeles, o Weezer conseguiu seu contrato com a DGC, mesma gravadora que havia lançado Nevermind, o disco do Nirvana que mudou a cara do rock alternativo e sua compreensão. Ao sabor do vento que soprava as velas do tal “pós-grunge”, o quarteto californiano colocou sua cara (e seus óculos) nas telas da MTV através do hit “Say It Ain’t So”. O som era puro “dejá ouvi”, misto de Pixies e Van Halen ou de Nirvana e Kiss, misturando as guitarras pesadinhas com melodias que grudavam na mente como chiclete.

Após o primeiro hit, vieram “Buddy Holly” (e seu clássico clipe), “Holiday”, “Undone (The Sweater Song) e o Weezer ganhou o mundo, via MTV e baseado na necessidade nunca declarada de substituição do Nirvana, algo que foi mais ou menos logrado pelo lançamento de Definitely Maybe, primeiro disco dos ingleses do Oasis.

Corta pra 2001.

O Weezer retornava ao mundo dos vivos após um hiato de seis anos. O segundo disco, Pinkerton, gravado e lançado como um suposto álbum conceitual, não manteve a banda nos píncaros do sucesso. Talvez Cuomo não tenha se sentido à vontade com o peso que o showbiz reservara para ele e, não só fez um disco “difícil” como se retirou para Harvard, famosa universidade americana, na qual ele concluía o curso de Inglês.

O tal Green Album, de 2001, é um retorno à sinceridade nerd e iluminou as mentes de uma nova geração de fãs, imediatamente capturados por canções como “Photograph” ou “Island In The Sun”, que se encharcavam no romantismo confessional sem resvalar para o que foi chamado (erradamente, diga-se) de emo-rock, o tal rock emocional, que gerou uma fornada lamentável de bandas que conquistaram o Olimpo rocker. Se o Weezer não é “emo”, o que ele seria então? A mesma banda de 1994, mais velha, na casa dos trinta anos, devidamente saída da pós-adolescência e mais tarimbada sobre as coisas. A vida americana e seus desdobramentos continuavam alimentando a pena de Cuomo e isso era o que poderia acontecer de melhor.
2008.

O que pensar de um novo disco do Weezer? E o que pensar de um dos tais discos coloridos deles? Entre o álbum verde e o vermelho vieram Maladroit (2002) e Make Believe (2005), mais pesados, mais exagerados, menos intensos, ainda que guardem canções memoráveis como “Haunt You Everyday”, presente no último e que marca a entrada da banda no território das baladas, algo que não é para amadores. Aliás, uma digressão: quando uma banda de rock faz uma balada é porque está sentindo algo. Claro, esta regra não se aplica às formações flácidas e vazias de significado, afinal de contas, grupos de “rock” ganham o mundo e as mentes com (bo)baladas o tempo todo. No caso do Weezer, não. A regra é clara e válida.

Além dos dois discos, Cuomo lançou em 2007 uma compilação de gravações caseiras chamada Alone: The Home Records Of Rivers Cuomo, cheia de preciosidades, entre elas um rascunho sensacional de “Buddy Holly”.

O tal Red Album é, portanto, um disco de um sujeito que está na crise da meia-idade, se questionando sobre tudo e todos, lembrando de seus vinte anos, das ruas, das pessoas, dos colégios, dos filmes, de tudo. O Weezer é composto por sujeitos que poderiam ser os adolescentes nerds dos anos 80, aqueles que se davam bem no final das comédias Namorada de Aluguel, Gatinhas e Gatões, A Garota de Rosa Shocking, Admiradora Secreta, entre outras. Por isso é tão sincera essa nostalgia “jovem” que Rivers Cuomo experimenta no novo trabalho.

Há uma canção em especial que entrega o ouro para o ouvinte. Em “Heart Songs” eles enumeram canções e artistas queridos, citados nominalmente ou por suas canções (ou ambos) e traçam uma linha cronológica que abarca infância, adolescência e a época que assinaram seu contrato. Poucas vezes algo tão sincero foi escrito no rock, algo que faz os contemporâneos de Cuomo sentirem uma pontada doída no coração, que desencadeia um flashback incessante de imagens que compreendem formaturas, namoradas, ex-namoradas, pessoas, cheiros, séries de televisão, tempos que nos parecem indubitavelmente melhores.

O trecho que marca a audição de Nevermind é digno de figurar entre os momentos de ouro do rock’n’roll de todos os tempos, tamanha a sinceridade e a necessidade de se lembrar, sim, do que ouvimos, daquelas canções que nos definem, que nos identificam perante uma multidão de ouvintes de segunda mão. Veja:

“Back in 1991
I wasn't havin' any fun
'Till my roommate said
"Come on and put
A brand new record on"
Had a baby on it
He was naked on it
Then I heard the chords
That broke the chains
I had upon me
Got together with my bros
In some rehearsal studios
Then we played
Our first rock show
And watched the fan base
Start to grow
Signed the deal that gave
The dough to make
A record of our own
The song come
On the radio
Now people go
This is the song”

Sem cinismo, sem falsa idade, sem qualquer rodeio. Talvez haja um paralelo involuntário entre “Heart Songs” e uma faixa do primeiro disco da banda, “In The Garage”. Na letra desta, Cuomo tece uma declaração de amor ao lugar em que ele se sente seguro, onde há posters do Kiss, bonecos dos X-Men e isolamento acústico para tocar sua guitarra com os amigos, aqueles com quem compõe suas “silly rock songs”. Agora Rivers revisita a tal “bolsa marsupial” que possuímos, aquela que traz nossas bulas de remédio e que podem (e devem) ser sempre consultadas.

O “Red Album” é sensacional. Parecidíssimo com os outros discos da banda, mas com essenciais avisos de que algo mudou. Há uma cover de “The Weight”, o maior sucesso da Band, do disco Music From The Big Pink (1968), que mostra uma nova influência no cânon da banda. Também há músicas maiores, na melhor tradição das canções maiores gravadas pelo Weezer, “The Greatest Man That Ever Lived”, “The Angel And The One” e aquelas outras músicas que são “landmarks” da sonoridade da banda, como “Troublemaker”, capaz de identificar o Weezer imediatamente.

Nenhum momento do disco, entretanto, é mais delicioso que “Heart Songs”. Ouça cantando a letra e tente escrever a sua própria versão de canções e tente substituir o momento “Nevermind” por algo tão marcante em sua vida. Torço para que você encontre facilmente ou, quem sabe, descubra que a banda tem mais esse traço em comum com você. Boa sorte.

quinta-feira, junho 19

Maior Que A Vida

Gosto muito da expressão que dá título a este post. Quando ela é usada em inglês, assumindo a forma de “larger than life”, fica ainda mais bonita, sem qualquer estrangeirismo barato. Algumas frases e palavras no idioma de Shakespeare são mais apropriadas, assim como outras o são no idioma de Camões. As línguas, sendo assim, se equivalem e se complementam. Bem, o assunto não é a diferença entre português e inglês, mas o uso do termo “larger than life” para definir uma canção em especial. Quando falamos em algo maior que a vida, estamos automaticamente encapsulando nossa própria existência – e talvez a própria existência per se – e admitindo que há coisas maiores que a nossa passagem por esse plano. Não quero me prender a qualquer perspectiva terrena ou transcendental sobre a vida, mas, certamente, ela é menor que muitas “coisas”. E admito que manifestações artísticas podem e devem ser maiores e mais longevas que a nossa existência, justamente para que possam perdurar ao longo do Tempo, até que surja algo do mesmo tamanho e/ou importância.

Em 1993, mais precisamente depois que entrei para a faculdade de Jornalismo, conheci um grupo adorável de pessoas que me acompanhou ao longo dos quatro anos do curso e que não tive a habilidade para conservar ao meu lado, mesmo depois de a vida mudar as direções das nossas respectivas retas. Após a entrada na Uerj, passado o período dos trotes, conheci a última pessoa que mereceu o posto de “meu melhor amigo”. Leonardo Nascimento Salomão era um sujeito tímido, acuado num canto da sala de aula até que alguém o chamou para uma rodinha de conversa, daquelas em que a gente diz de que colégio veio, o que fez antes dali etc. Eu vinha de oito períodos de Direito, cursados em outra universidade, ciente da perda de três anos em relação aos meus colegas de turma. E o Léo veio até a rodinha, balbuciou umas poucas palavras. Naquele dia mesmo – ou no dia seguinte, não lembro – percebemos um grande interesse em comum: a música e a vontade de escrever sobre ela. Líamos a mesma revista Bizz/Showbizz, compartilhávamos do interesse em muitos artistas e começamos a escrever resenhas sobre os discos que comprávamos e as bandas que nos eram queridas. Ao longo do primeiro ano de Uerj se estabeleceu um ritual informal que consistia em uma sessão musical na casa do Léo, no Grajaú (bairro da Zona Norte do Rio). Alugávamos discos (sim, existia locadora de CD no inicio dos anos 90) e “aprendíamos” sobre eles na casa do Léo, ou não, quando o aprendizado era deixado em segundo plano, diante da tentação de uma partida de sueca.

Dessa época da minha vida eu lembro muito bem. Lembro de duas fitas K7 que o Léo me gravara com duas bandas que ele havia conhecido em sua recente passagem por São Paulo, cidade na qual morava antes de vir para o Rio. Uma fita trazia uma coletânea de uma banda chamada Violent Femmes. A outra era uma compilação do Waterboys. As duas formações, uma americana, outra escocesa, eram dos anos 80 e pertencem aquele grupo de bandas que nunca ficam totalmente famosas mas que são capazes de marcar época e se aninhar confortavelmente em nossa mente. É dos Waterboys que quero falar.

A banda escocesa, liderada pelo cantor/compositor Mike Scott surgiu no inicio dos anos 80 e lançou seu primeiro e homônimo trabalho em 1981. Dois anos depois veio A Pagan Place, seu segundo disco. Talvez por coincidência, o trabalho que projetou os Waterboys para além do Reino Unido foi o que conheci na fita K7 do Léo, This Is The Sea, de 1985. Quando esse disco foi gravado eu tinha 15 anos e só o estava conhecendo com 22. A música tem a capacidade de subverter a ordem cronológica das coisas e eu me vi adolescente de novo, ao me espantar com a riqueza melódica e a semelhança que as canções com os trabalhos de gente que eu começava a amar, principalmente Van Morrison e Bob Dylan. “The Whole Of The Moon”, o grande hit do disco me conquistou imediatamente, mas a canção-título é que ficou no meu bolso permanente, aquela bolsa marsupial de pequenas situações e coisas que nos definem e acompanham ao longo da existência.

Hoje, 23 anos depois do lançamento do disco e quinze depois da primeira vez em meus ouvidos, cruzei novamente com “This Is The Sea”, a música. É uma canção de redenção, de coisas no lugar. É um desses momentos em que somos capazes de olhar para nós mesmos e perceber o que fizemos, o que faremos e o que podemos fazer para acertar nos alvos que passam voando pela nossa frente. É um conselho, é um abraço de amigo, é uma viagem ao centro da nossa Terra. A voz de Mike Scott percorre a letra – nem tão grande – como quem percorre o caminho entre o quarto de sua infância e a sala da sua maturidade. Entre brinquedos, revistas, discos, choro, roupas, retratos deixados no caminho, vem a luz, como aquela calçada no clipe de “Billie Jean”, de Michael Jackson, que mostra o caminho que ele escolheu enquanto dançava. “This Is The Sea” é o barbante que amarramos no inicio do labirinto para que não esqueçamos de onde viemos e quem somos. A melhor figura da música é a analogia com o verso “that was the river, this is the sea”, no qual passado e presente são colocados frente a frente, um menor que o outro, um conectado ao outro, um alimentando o outro, indivisíveis e imprescindíveis.

“This Is The Sea” é uma canção maior que a vida. É solene, é apoteótica, vai tomando o controle aos poucos e quando você se dá conta, a canção e tudo que você pensa são quase a mesma coisa. “Larger than life”, eu diria.

Procurei no Youtube por algum clipe da canção e encontrei uma apresentação da banda por volta de 85-86 executando a música com um outro arranjo. E a versão original, apenas o áudio, servindo de background para um documentário sobre surf chamado Riding Giants. Escolho a segunda opção, pelo “crescendo” da música e pelas belas imagens, sabendo sempre que o “mar” cantando pelos Waterboys não é somente o oceano. É maior. Maior que a vida.

PS: post dedicado a Leonardo Nascimento Salomão, meu ainda amigo, padrinho de casamento e presença constante em “This Is The Sea”.

THIS IS THE SEA

(Mike Scott) 1985

These things you keep
You'd better throw them away
You wanna turn your back
On your soulless days
Once you were tethered
And now you are free
Once you were tethered
Well now you are free

That was the river
This is the sea!

Now if you're feelin' weary
If you've been alone too long
Maybe you've been suffering from
A few too many
Plans that have gone wrong
And you're trying to remember
How fine your life used to be
Running around banging your drum
Like it's 1973

Well that was the river
This is the sea!

Now you say you've got trouble
You say you've got pain
You say've got nothing left to believe in
Nothing to hold on to
Nothing to trust
Nothing but chains
You're scouring your conscience
Raking through your memories
Scouring your conscience
Raking through your memories

But that was the river
This is the sea yeah!

Now i can see you wavering
As you try to decide
You've got a war in your head
And it's tearing you up inside
You're trying to make sense
Of something that you just can't see
Trying to make sense now
And you know you once held the key

But that was the river
And this is the sea!

Now i hear there's a train
It's coming on down the line
It's yours if you hurry
You've got still enough time
And you don't need no ticket
And you don't pay no fee
No you don't need no ticket
You don't pay no fee

Because that was the river
And this is the sea!

Behold the sea!